Histórias de Sucesso

Entrevista

CONHECIMENTOS COMPARTILHADOS

Juliano Tarabal fala sobre a experiência de construção de uma estratégia de comunicação de marca


Cristina Mota

Juliano Tarabal
Crédito: Arquivo Federação Cerrado

A Região do Cerrado Mineiro abrange 55 municípios do Triângulo, Alto Paranaíba e Noroeste do estado. O local é reconhecido por seus cafés especiais, cujo cultivo começou em 1972. Além disso, a trajetória de construção da marca território do Cerrado Mineiro é um exemplo para outas experiências em Minas e no Brasil: em 2005, tornou-se a primeira região do Brasil a ser reconhecida com a Indicação de Procedência (IP) e, em 2013, conquistou a Denominação de Origem (DO).

Juliano Tarabal Gonçalves é o diretor-executivo da Federação dos Cafeicultores do Cerrado Mineiro, tendo atuado fortemente no processo de construção da estratégia da Região do Cerrado Mineiro e na sua comunicação. A Revista Histórias de Sucesso conversou com ele sobre este tema, confira a entrevista.

O que você define como uma estratégia de comunicação de marca e qual é a sua relevância?
A estratégia de marca para uma origem controlada em um território acaba sendo um grande guarda-chuva. Quando a marca território consegue atingir uma relevância, ter sucesso, ela promove o desenvolvimento regional, pois é coletiva, representa toda uma região. Você tem, obviamente, uma instituição que faz a representação e o controle da marca. Mas é um trabalho de um grupo, que beneficia uma coletividade. Além disso, é algo em longo prazo, pois exige várias ações de ativação.

Place Branding refere-se a uma maneira diferenciada de divulgar um local, seja ele uma região, seja um imóvel ou um bairro, como uma marca.

No caso do Café do Cerrado, essa construção começou em 1992. A primeira marca foi um logotipo bem simples, criado por dois produtores, o Sr. Juarez e o Sr. Agnaldo, que começou a ser promovida na estampa das sacarias, em embalagens e em feiras. Em 2011, a Região decidiu reposicionar e internacionalizar a marca e, com o apoio do Sebrae, desenvolvemos a ação por meio da metodologia de Place Branding (box destaque ligado a esta palavra), implantada por uma consultoria especializada. Trabalhamos por oito meses, entendendo o território e entrevistando pessoas-chave, para só então criar uma nova logomarca que expressasse essa estratégia e estivesse alinhada a um propósito, que, nesse caso, é integrar, envolver e conectar as pessoas, influenciando a transformação e evolução da cultura do café. Doze anos depois desse trabalho, posso afirmar que ele foi bem-sucedido, levando o nosso território para um outro patamar. Na comunicação visual, a marca está projetada nas cooperativas, nas placas de identificação das fazendas, nas embalagens. Além disso, o propósito é forte, houve adesão a ele, temos uma marca com personalidade, a Região do Cerrado Mineiro já é reconhecida como uma região de atitude.

Quais foram os principais desafios e como foram superados?
O primeiro desafio estava relacionado com os recursos financeiros. Em uma empresa, você tem um ou alguns sócios-proprietários e um orçamento definido para trabalhar a marca. Em um território, os envolvidos são muitos, são todas as pessoas que o integram. Portanto, para conseguir um orçamento para trabalhar a comunicação de marca, é preciso o convencimento dessas pessoas, e elas precisam perceber a necessidade dessa ação e acreditar nela. O que mais se ouve, dos diversos atores, é a pergunta sobre o que vão ganhar com isso. Então, criamos um plano de trabalho, a partir da estratégia da Região, com ações robustas que auxiliaram na adesão e participação de diferentes stakeholders. Com isso, conseguimos os recursos necessários para trabalhar. A marca da Região do Cerrado Mineiro foi lançada nos Estados Unidos e na Europa, criamos um grande prêmio, que está na 11ª edição em 2023 e que, no ano passado, vendeu uma saca de café por R$ 62 mil. Nossa marca está presente nas principais cafeterias do Brasil e do mundo.

Outro desafio foi o estímulo ao associativismo, que ainda está em construção no Brasil, diferentemente da Europa e mesmo dos EUA. Então, unir as pessoas no mesmo propósito é um desafio. É preciso promover muitas ações e despender muito esforço. Só assim elas vão se sentir orgulhosas por fazer parte de uma história. Na Região do Cerrado Mineiro, o cenário é um pouco diferente, temos uma união real e forte, por isso essa etapa não foi tão trabalhosa. Geramos um real senso de pertencimento.

Qual o papel da governança para garantir uma comunicação de marca efetiva?
O alinhamento entre os stakeholders é essencial para a comunicação efetiva de uma marca. Na Região do Cerrado Mineiro, a Federação é composta por sete cooperativas, sete associações e uma fundação. São cerca de 1,1 mil produtores associados, além de exportadores e armazéns credenciados.

Eu diria que a governança começa no topo, na liderança. É preciso um líder que passe credibilidade, respeito. É preciso inspirar, ou não se move um território. Por isso, o presidente da Federação é muito bem escolhido. Nós temos planejamento de longo prazo, e o presidente eleito tem 100% de alinhamento com o antecessor, para uma continuidade do trabalho.

Eu diria que a governança começa no topo, na liderança. É preciso um líder que passe credibilidade, respeito

É preciso, também, ter um conselho de administração, um conselho regulador, grupos de trabalho, comitês e outras instâncias que o projeto demanda para uma gestão correta, transparente.

Quais são os passos essenciais para uma região que queira valorizar um determinado produto?
O primeiro passo é ter um grupo coeso, focado no mesmo objetivo e alinhado a um mesmo propósito. Depois, vem o estabelecimento da estrutura de governança de um plano estratégico, que deve ser revisto com frequência. É um trabalho em longo prazo, no qual se testa, se erra, se corrige. Só com essa trilha é possível construir uma marca e trabalhar a sua comunicação com sucesso.

Eu tenho visto muitos erros nas estratégias de territórios brasileiros, que estão buscando indicação geográfica e marca coletiva sem fazer o “dever de casa”. Se você atropelar as etapas, talvez você coloque todo o trabalho em risco. Caso você crie uma estratégia fraca, ela não vai se sustentar no mercado, que é cruel.

Como está o trabalho na Região do Cerrado e quais as perspectivas?
A Região do Cerrado Mineiro completou seu cinquentenário em 2022. Também alcançamos o marco inédito mundialmente de 1 milhão de sacas com selo de origem e qualidade em uma década. Isso significa que a nossa marca está chegando a todos os continentes, em mais de 30 países. No próximo mês de outubro, vamos atingir uma das nossas maiores metas, um lançamento global com uma marca líder. Haverá um produto com o café da Região do Cerrado Mineiro na linha fixa dessa marca, distribuído para mais de 50 países. Esse é o maior indicador que nós poderíamos alcançar, e as expectativas são as melhores possíveis.