Histórias de Sucesso

Entrevista

AGIR HOJE COM O OLHAR NO FUTURO


Cristina Mota

Nascida em uma família de produtores rurais de São Sebastião do Paraíso, Cláudia Leite cresceu no universo cafeeiro. Como escolha profissional, optou pela nutrição, mas sempre voltada para o trabalho com o café. Em sua trajetória, atuou com grandes empresas, como Nestlé e Nespresso, onde teve contato com um tema que também passou a ser uma paixão: a sustentabilidade. Atualmente, Cláudia é consultora e compartilha da sua experiência para auxiliar empreendedores quanto ao tema, estimulando trocas, conhecimento e crescimento, para o hoje e o futuro. Confira a entrevista.

Crédito: Arquivo pessoal

Sustentabilidade e ESG são temas bastante recorrentes. Pode falar mais sobre eles?

A sustentabilidade fala de um olhar de longo prazo, traz uma visão complexa e sistêmica de que temos que garantir os recursos necessários para a população viver nos dias de hoje, mas pensando nas próximas gerações e no fato de que elas também terão as suas necessidades a serem atendidas. Então, a sustentabilidade, enquanto definição, vai muito além de combater e mitigar impactos ambientais. Falar disso, claro, é falar de economia verde, de economia circular, de reciclagem, de baixa pegada de carbono, de carbono zero, de conservação de água, energia e recursos. Mas é também falar de diversidade, inclusão, direitos humanos, saúde e segurança.

Na década de 1990, surgiu o conceito do Tripple Bottom Line, com a ideia de mensurar os resultados de uma empresa a partir de três pilares básicos, que ficaram conhecidos como 3PL e são referentes, em português, a pessoas, planeta e lucros. Nos anos 2000, o termo ESG - em português, meio ambiente, social e governança - foi criado pelo secretário da Organização das Nações Unidas, a ONU. Nesse encontro, em que o termo foi mencionado pela primeira vez, foi firmado um compromisso entre os participantes, que acabou gerando um grande movimento no mercado, especialmente o financeiro. O ESG aponta um conjunto específico de critérios ambientais, sociais e de governança com métricas específicas a serem atingidas.

A que fatores você atribui a intensificação da agenda ESG?

Eu colocaria quatro aspectos para explicar isso. Um deles está relacionado a fatores físicos operacionais, porque o clima mudou, o planeta mudou, e nós estamos sentindo na pele os efeitos disso. Como cidadãos, seja como profissionais, seja como agricultores, vemos os fenômenos que sempre ocorriam de maneira cíclica vindo agora com uma intensidade e frequência muito maiores. Há estudos comprovando que essa aceleração decorre da interferência humana, gerando o aquecimento global. E tudo isso acaba levando à desigualdade social, que fragiliza mercados e consumo, impacta a economia. Se você não tiver uma sociedade próspera, não tiver o entorno desenvolvido, não há como você gerar riqueza, ter lucratividade ou crescimento.

O segundo aspecto é o acesso ao capital. Muitos investidores já indicaram que vão priorizar títulos alinhados ao ESG e deixar de investir em produtos e serviços ou empresas com abordagens não coerentes com as diretrizes. Como consequência, há um aumento das restrições ao financiamento dos setores que têm um impacto potencial, e, por outro lado, geram-se oportunidade de condições diferenciadas e acesso a capital, juros e financiamento quando há uma abordagem em sintonia com a sustentabilidade.

O terceiro ponto é o comportamento da demanda. O consumidor mudou, as pessoas estão conscientes da importância da sustentabilidade e cobram das empresas atitudes coerentes e responsáveis. Por fim, o quarto aspecto é o avanço regulatório. As empresas têm, sim, que gerar resultado, dar lucro, mas como isso é feito passa a ter uma importância cada vez maior em alguns mercados, onde há uma série de regulações, normas, monitoramentos.

Qual o impacto do ESG para os pequenos negócios rurais?

Já existe uma prática sustentável no campo, talvez ainda não organizada com a “roupagem” ESG. Para que isso fique evidente para os pequenos produtores, especialmente, e permita que eles identifiquem as práticas para promover melhorias ou mesmo implantar ações, é preciso explicar o significado da sigla, de forma bem prática.

No caso G, a governança, por exemplo. Uma propriedade rural é um empreendimento, independentemente do tamanho. Precisa ter gestão, controle, ou sua operação não se torna viável. Não é possível ter informalidade ali. Muitos fazem o controle de forma simples, arcaica. É preciso melhorar isso, é importante.

O S, de social, refere-se à responsabilidade com as pessoas, desde o cumprimento da legislação até a oferta de condições dignas de trabalho aos funcionários, salários justos, estruturas de trabalho adequadas, com equipamentos de proteção, alojamento etc. Da mesma forma, abrange a contribuição para que as comunidades no entorno estejam bem, assim como para garantir a atuação coletiva, associativa, compartilhando informações, conhecimento.

E tem a letra E, relacionada ao meio ambiente. Para esse aspecto, temos legislação a cumprir e, principalmente, temos de pensar no amanhã, nas futuras gerações. Estou fazendo o uso correto do solo? Dos adubos? Estou cuidando da água, fazendo um uso racional? São estes alguns pontos.

Quais os benefícios de adotar os princípios ESG?

A adoção dos princípios ESG, de forma séria e genuína, leva a um alinhamento com uma tendência do mercado e ajuda a construir uma marca, com potencial de ganhos de valor. Além disso, o acompanhamento dos indicadores e a melhor gestão permitem identificar oportunidades para produzir mais com menos e antever problemas, por exemplo, além do acesso a opções de crédito diferenciadas, viabilizando investimentos e melhorias na propriedade. Sem falar no comprometimento com demandas da sociedade, em relação a direitos, inclusão, conservação do meio ambiente e outros.

Quais são os temas relacionados ao ESG e que precisam estar no radar dos produtores rurais?

As questões relativas ao uso dos recursos naturais, para combater o desmatamento e proteger as florestas e o uso racional da água. Do ponto de vista social, as políticas de saúde e de segurança, o cuidado com as pessoas na cadeia de produção e um item que acho muito relevante, a questão de qualidade do produto, especialmente se for alimento. Em relação à governança, considero que as boas práticas são essenciais para guiar os produtores, mitigar riscos, com um olhar para o agora e para o futuro.

Há frentes prioritárias? Como os pequenos proprietários podem obter apoio para trabalhá-las?

Sim, há questões importantes e urgentes, como ter energia mais sustentável, de fonte renovável, aumentar a reciclagem, não queimar lixo, reduzir o uso de materiais e diminuir a geração dos resíduos, dar o destino correto a eles, quando houver, fazer o uso racional da água e cuidar das pessoas, com respeito. Um importante apoio pode ser obtido por meio do Programa Educampo, do Sebrae Minas. Considero uma ferramenta fundamental para trazer a sensibilização necessária e os caminhos possíveis para quem trabalha no campo. A consultoria individualizada é um grande exemplo que vejo no mercado.