Moda
Do croqui à vitrine
Formatado para a moda autoral, programa incentiva empreendedorismo no segmento e estimula negócios no estado
Ana Paula de Oliveira
Desejo de reproduzir o que o outro usa. Para os dias de hoje, parece inconcebível pensar que este foi o impulsionador do conceito de moda. Mas estamos falando do final da Idade Média e princípio da Renascença, quando o desenvolvimento das cidades e a organização da vida nas cortes fizeram com que as pessoas vivessem mais próximas umas das outras. Enriquecidos pelo comércio, os burgueses passaram a copiar as roupas dos nobres, que, por sua vez, tentavam variar as opções, alimentando um ciclo.
De fato, muita coisa mudou entre o século XV e a atualidade. A moda saiu dos burgos, ganhou o mundo, reinventou-se e se tornou cada vez mais autoral. Hoje, a indústria da moda concentra uma diversificada cadeia produtiva. Nesse cenário, mesmo quem já encontrou sua oportunidade, independentemente do porte do negócio, precisa estar preparado para lidar com a concorrência, lucrar e manter-se em atividade.
Para identificar e alavancar novas marcas no estado que reúnam originalidade e potencial para expandir o mercado, o Sebrae Minas criou o programa Minas Moda Autoral. Atualmente, 20 empresas dos segmentos de vestuário, moda íntima, acessórios, calçados, bijuterias e joias estão em processo de aceleração de seus negócios. A seleção ocorreu via edital, lançado em julho deste ano, em parceria com o Instituto Rio Moda.
Ao todo, foram quatro meses de atividades, entre palestras, aulas, mentorias e consultorias individuais on-line, distribuídas em 220 horas. As capacitações são divididas em quatro etapas: identidade e posicionamento de marca; gestão empreendedora na moda autoral; cultura da inovação e design como ferramenta de valor; comercialização e canais de vendas conectados ao cliente ideal. A analista do Sebrae Minas Raquel Canaan fala do orgulho de acompanhar a evolução das marcas ao longo das atividades, muitas delas relatando uma reconexão com seu propósito inicial, outras percebendo a necessidade de uma reinvenção. “Com esse trabalho, a meta é apoiar os negócios para superar os desafios atuais do segmento. A avaliação é que acessar mercados, reconhecer-se como marca, identificar o público-alvo e comunicar-se adequadamente com ele são passos fundamentais para uma ‘virada de chave ’.”
Dedicação total
A jovem Maria Clara Ribeiro é um dos selecionados no edital. Ela é dona da Clara Moraes, marca slow fashion com foco em moda consciente, que dispensa grandes processos industriais. Suas coleções, cujo número de peças é limitado, são funcionais e levam em conta praticidade e estética atemporal, ao mesmo tempo que são modernas e usáveis. “Minha formação na moda vem do cotidiano, e minha bagagem vai se aprimorando pelo interesse que sempre tive pelo tema. Amo o que faço!”, afirma Maria Clara, que entrou cedo para o ramo. Referência entre as amigas pelo estilo nas combinações, aos 18 anos já era gerente de loja. Em 2014, fundou a Clara Moraes. “Minha mãe tinha uma marca de roupas que virou exclusividade de um showroom de multimarcas na época. Como tínhamos clientes fora desse universo do atacado, eu decidi abrir uma marca paralela para atendermos esse público”, recorda.
O negócio tem dado certo. Os lançamentos ocorrem a cada três meses e giram em torno de seis modelos, com variações de cores. Maria Clara cuida da escolha dos tecidos e do envio dos pedidos, e duas colaboradoras a auxiliam na modelagem e costura. Boa parte da produção se concentra em casa mesmo, na cidade de Ibirité, Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), e as vendas são realizadas exclusivamente de modo on-line.
Ela afirma que a participação no Minas Moda Autoral tem ajudado na concepção da nova coleção, intitulada Eternos, cujo mote são peças atemporais e versáteis, que fazem a diferença no guarda-roupa e nos looks. “Mal acreditei que fui selecionada entre dezenas de inscritos. Isso endossa meu trabalho, confirma que estou na direção certa. Conheci ferramentas incríveis, como Canvas, matriz de materialidade, Crazy 8 e Iceberg Model, todas de gestão, e cada uma delas tem me ajudado a direcionar melhor as ações”, aponta.
Integra Moda
O Minas Moda Autoral compõe a estratégia estadual do Sebrae Minas para o segmento, o Integra Moda, junto ao Viver de Brechó e outros programas direcionados a expertises diferentes do segmento. Realizado pelo Sebrae Minas, o trabalho visa fomentar a interiorização da moda e fortalecer os polos do segmento, por meio de inteligência de dados, iniciativas para aprimorar a gestão dos pequenos negócios e incentivo a políticas públicas que beneficiem o setor, afirmando Minas Gerais como Estado da Moda e rota de comércio.
“Nesse trabalho, o papel do Sebrae Minas é entender o movimento do segmento e da sociedade e apresentar aos pequenos empresários o que há de mais novo em tendências, mercado, gestão, marketing, entre outros temas”, ressalta a analista do Sebrae Minas Karina Hanun. A proposta do Integra Moda é afirmar Minas Gerais como “estado da moda” e rota de comércio, divulgando seus polos e expertises. “Para alcançar esse objetivo, é preciso construir, em parceria com as regionais, programas direcionados a modalidades do segmento, respeitando e ativando as vocações locais”, pontua Karina.
Integra Moda
Raquel Canaan, analista do Sebrae Minas, explica sobre a iniciativa.
Moda íntima para gestantes
Quando estava à espera da terceira filha, a comerciante Adriana Dias teve vontade de dar vida ao próprio negócio, a Mima Lingerie. Vivendo em Taiobeiras, polo de moda íntima no Norte de Minas, a jovem mãe detectou uma oportunidade de mercado partindo de uma experiência. “Já no final da gestação, quis uma camisola e tive dificuldade de encontrar algo que revelasse minha feminilidade e fosse confortável”, explica.
Chegar ao conceito da Mima exigiu tempo. Primeiro, Adriana foi revendedora. Deu certo, mas um questionamento não saía da sua cabeça: “Para o bebê, tudo é preparado com tanto carinho, com tanta cor. Por que para as mães não acontecia o mesmo?”. A resposta veio com a marca própria. Fundada em 2018, a Mima Lingerie é especializada em roupas para gestantes. A pegada é primar por uma modelagem que respeite as transformações do corpo da mulher sem deixar de exaltar a feminilidade, contribuindo para elevar a autoestima. “Após três gestações, eu tinha experiência de sobra para imprimir nas peças um conceito diferenciado. Sei o porquê de cada cordão, da posição de cada botão, do uso de cada tecido”, conta.
A empresa tem uma loja física em Taiobeiras e funciona mais como um showroom. Isso porque 90% das vendas ocorrem no ambiente digital – são cerca de 900 peças por mês, distribuídas para todo o país. A Mima Lingerie tem feito tanto sucesso que até famosas já usaram a marca durante a gravidez, como a modelo e assistente de palco Dany Bananinha e Andressa Miranda, esposa de Thammy Miranda, entre outras.
Adriana afirma que próximo passo é ampliar as fronteiras e tornar a marca referência nacional no segmento. “Brinco que, durante todo esse percurso, quem me carrega no colo é o Sebrae Minas. Já fiz diversos cursos, pois sei que consolidar uma marca leva tempo e dedicação. Participar do Minas Autoral tem me ajudado a aprimorar as ideias e seguir rumo aos objetivos traçados”, destaca.
Quem vive de brechó?
Um levantamento do Sebrae, com dados da Receita Federal, aponta que mais de 24 mil pequenos negócios comercializam artigos usados no país, 12% deles localizados em Minas Gerais. São cerca de 3 mil empreendimentos dedicados à atividade, a maioria (86%) administrada por MEIs. E os negócios são apoiados pelo Sebrae Minas por meio do Viver de Brechó. Estruturada em 2022, a iniciativa atende empreendedores do mercado de usados de Belo Horizonte e Região Metropolitana, interessados em se capacitar e melhorar os processos e a divulgação dos negócios no ambiente digital. Desde agosto, aproximadamente 130 deles participam de ações para aprimorar habilidades empreendedoras e de gestão. “Nesse segmento há de tudo, é um universo muito rico e diversificado, que prima por peças selecionadas e bem conservadas a preços acessíveis”, comenta a analista do Sebrae Minas Michelle Chalub. Ela conta que o primeiro passo é despertar no grupo o comportamento empreendedor, já que muitos não se reconhecem como tal. “Muita gente começa por hobby, por gostar de moda e de garimpar as peças, por exemplo. E boa parte se lançou nesse nicho durante a pandemia, em busca de uma fonte de renda”, explica.
Moradora de Contagem, Laura Alves é uma das participantes. “Desde que comecei a priorizar o brechó e tirar dele 100% da minha renda, venho aproveitando cada oportunidade de aprender mais”, conta ela, que, desde a pandemia, encontrou mais tempo para se dedicar exclusivamente ao negócio, localizado em sua casa e de onde saem cerca de 60 peças por mês, todas customizadas com pinturas. “Mais que garimpar e repassar peças, meu brechó é um espaço de expressão artística, que atrai um público que busca uma forma diferente de consumo e se sente representado por uma moda de tom político e alternativo”, explica. No Viver de Brechó, Laura revela ter tido grandes aprendizados. “Tem sido muito produtivo para mim. Além das ferramentas de gestão e finanças, estou melhorando o marketing. Por exemplo, em vez de apenas descrever as peças na hora de anunciá-las nas redes, aprendi a contar a história de cada uma”, afirma.