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Despertar para novos destinos
Programa do Sebrae Minas promove o desenvolvimento da cadeia turística por meio da formação de lideranças e da conexão de pequenos negócios e mercados
Lucas Alvarenga
O gosto do bom café, os quitutes assados no fogão a lenha, os ingredientes que saem dos quintais para a mesa, as artes sacras barrocas, as águas que caem das cascatas como um véu. Esses elementos são apenas alguns exemplos que evocam o orgulho de ser mineiro, terra de aromas, sabores, tradições e belezas incontáveis. Transformada em turismo, toda essa potência movimenta 200 mil pequenos negócios, responsáveis por 8% dos empregos no estado – resultado acima da média nacional de 3%, segundo o Observatório do Turismo de Minas Gerais (OTMG).
Os números superlativos justificam o posto de segundo destino mais procurado por turistas no Brasil em 2021. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 11,4% das viagens nacionais realizadas no ano passado tiveram Minas Gerais como roteiro. No entanto, embora a cadeia produtiva do turismo venha se fortalecendo no estado, ainda há um enorme potencial a ser explorado. Para evidenciá-lo, o Sebrae Minas desenvolve e apoia uma série de programas que têm resultado no incremento da atividade turística e no surgimento de novos negócios.
Abrangente e inovador, o Check-in Turismo é o mais recente deles. Lançada em 2021, a iniciativa oferece suporte empresarial aos pequenos negócios da cadeia do turismo no estado e promove o desenvolvimento econômico local por meio da formação de lideranças e de ações que conectam negócios e mercados. São ao todo três projetos: Check-in Rota das Oportunidades, Check-in Negócios e Check-in Minas Itinerante, que têm ampliado a visibilidade e o acesso aos destinos mineiros.
A analista do Sebrae Minas Nathália Heringer Milagres acredita que a estratégia adotada contempla o novo perfil dos turistas no pós-pandemia de Covid-19. “As pessoas têm evitado grandes deslocamentos, apostando mais no turismo regional e de experiência. Desde então, temos realizado um trabalho conjunto com empresários e prefeituras para qualificar produtos e serviços locais, de modo a incentivar a procura por destinos que estão fora do circuito tradicional.”
Diversificando a economia
A pouco mais de 500 quilômetros de Belo Horizonte, no Noroeste de Minas, Paracatu é um exemplo da integração promovida pelo Check-in Turismo. A cidade detém a maior área irrigada por aspersão, método que simula uma chuva artificial, do país, além da maior mina de ouro a céu aberto em atividade na América Latina. Para diversificar sua economia, fadada ao esgotamento da atividade mineradora e refém da escassez de água, a Agência de Desenvolvimento Sustentável de Paracatu (Adesp) lançou, em parceria com o Sebrae Minas, o plano de desenvolvimento Paracatu 2030.
Desde 2014, Prefeitura e Sebrae têm atuado juntos para elaborar estratégias de ampliação do turismo no município, conhecido por seus casarões históricos e manifestações culturais, como a Folia de Reis. “Nossa cidade é reconhecida por suas quitandas, tanto que tem o nome de ‘capital mundial do pão de queijo’. Esse potencial nos levou a capacitar a mão de obra de hotéis, bares e restaurantes e a convidar chefs para elaborar novos pratos, potencializando o turismo de negócios na região”, explica a analista do Sebrae Minas Patrícia Rezende.
Os esforços para profissionalizar o setor turístico no município foram acentuados pelo projeto de construção da marca-território de Paracatu, outro fruto da parceria entre a Prefeitura e o Sebrae. “É algo que transcende um logotipo. Essa identidade precisa refletir nosso patrimônio histórico de mais de 500 edificações, que vão do barroco ao art déco, nossas quitandas como patrimônio imaterial e o fortalecimento das comunidades quilombolas”, acrescenta o secretário de Cultura e Turismo de Paracatu, Igor Araújo Diniz.
Recém-implantada, a ação de marketing territorial foi vencedora do XI Prêmio Sebrae Prefeito Empreendedor Juscelino Kubitschek, na categoria Cidade Criativa e Empreendedora. “Esse prêmio é o Oscar da gestão pública estadual. Ele eleva a autoestima do nosso empreendedor e potencializa a cadeia turística local. Quando Paracatu completar 225 anos, em 2023, queremos coroar esse trabalho materializando nossa cultura em um produto que reflita um pouco do que somos”, antecipa Igor.
O trabalho de capacitação local, associado à construção da marca-território e ao inventário das quitandas de Paracatu, preparou o município para a candidatura ao título de Cidade Criativa da Gastronomia, concedido pela agência da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “O Comitê Gestor Municipal da Gastronomia, que o Sebrae integra, já está preparando o dossiê para pleitearmos esse título, que sintetizaria nossos esforços em favor da preservação da história e da melhoria na gestão da cadeia turística local”, informa Patrícia.
Sabor que gera sensações
À frente dessa transformação estão empreendedoras como Fernanda Jordão Oliveira. Inspirada pela mãe quitandeira, ela se formou em gastronomia e, tão logo recebeu o diploma, retornou à terra natal. Contratada por um hotel, a chef recém-formada viu seus planos ruírem em três meses, quando o proprietário resolveu reabrir o negócio com outra proposta. Insegura diante dos novos rumos da empresa, ela pediu demissão para montar a Doce Delírio Delicatessen ao lado da mãe, do pai e da irmã, em julho de 2012.
No comando da empresa, ela atualizou antigas receitas de família com um toque de sofisticação. Pouco tempo depois, o resgate das raízes da culinária local a motivou a mudar o nome do negócio para Quitandas da Vila Delicatessen. “O nome é uma homenagem ao carro-chefe d a gastronomia da cidade – as quitandas – e ao antigo nome do munícipio – Vila do Príncipe. Hoje, ele representa a essência do nosso negócio, que busca valorizar o modo particular de fazer quitutes na região.”
Com uma década de mercado, 11 funcionários e uma estrutura mais ampla, capaz de absorver a crescente demanda por delivery, Fernanda enaltece o papel do Sebrae Minas para o turismo na região. “Em 2016, tive o primeiro apoio de um consultor financeiro para ajudar a estruturar o meu negócio e iniciar uma jornada de capacitação. Hoje, tenho orgulho de dizer que o Sebrae também está orientando a Associação de Quitandeiros de Paracatu – da qual faço parte – na conquista da Indicação Geográfica (IG) como Território das Quitandas.”
Assim como Fernanda, a contadora Caroline Mesquita encontrou nas raízes familiares o apreço pela culinária. Há dois anos, ela e o noivo, Francisco Rodrigues, transformaram o hobby de preparar cafés e desjejuns inspirados nas receitas de seu pai e nas texturas e sabores dos locais por onde viajavam em uma atividade lucrativa. Em março de 2020, logo após a chegada da pandemia de Covid-19 ao Brasil, o casal inaugurou a Keroys Coffee. Pioneira na cidade, a cafeteria, no entanto, só abriria as portas ao público quase um ano depois, com o fim das restrições sanitárias ao comércio.
O espaço aconchegante, apropriado à leitura e a uma boa conversa, surgiu após a orientação do Sebrae. Meses antes, Caroline havia procurado a instituição para se preparar para a jornada empreendedora. Além de fazer alguns cursos on-line, aprender a precificar seus produtos e conhecer casos de sucesso, a contadora aderiu ao programa ALI Brasil Mais. “Nossa tutora no projeto ajudou a destravar a ideia do clube de assinaturas do café. Essa iniciativa foi fundamental para superarmos o abre e fecha da loja causado pelas medidas de contenção da pandemia”, lembra.
À medida que a nova estratégia de turismo do Sebrae era implementada na cidade, Caroline se dispôs a aperfeiçoar os negócios por meio das consultorias da instituição. Ela e sua equipe aprenderam a padronizar e armazenar alimentos, a redobrar os cuidados com a higiene, a aprimorar o atendimento e a criar pratos para o Festival do Patrimônio Cultural de Paracatu. “Aprendemos a valorizar a cozinha local a partir dos ingredientes obrigatórios do festival. Com isso, ficamos em primeiro lugar no evento tanto como melhor prato quanto em atendimento. ”
Além de Paracatu, o sucesso do Check-in Turismo deve se estender a outros destinos mineiros. Segundo Nathália, o Sebrae Minas trabalha para reposicionar destinos já conhecidos a partir de novas experiências “Quando fizemos uma visita técnica a Portugal, percebemos como eles transformaram a obra de Saramago em um roteiro turístico-literário. Desde então começamos a trabalhar o turismo em Itabira em frentes, a começar pelo estímulo ao roteiro de Drummond. O turista de hoje deseja mais que visitar um local, ele quer vivenciar uma experiência.”
Um novo olhar para Diamantina
Situada a 1.280 metros de altitude, Diamantina surpreende por seu terroir inigualável – uma combinação perfeita entre o inverno seco, as temperaturas amenas e as condições geográficas do Vale do Jequitinhonha. A característica de suas quintas encantou um grupo de influenciadores digitais, que foi convidado a conhecer as belezas, sabores e histórias inusitadas da Terra dos Diamantes. Durante os três primeiros dias de julho, eles registraram – por meio de posts, vídeos e stories – suas sensações ao descobrirem o imenso potencial de uma Diamantina que não está nos roteiros triviais da cidade histórica. O grupo, que atua nas áreas de turismo, música e gastronomia, participou do Check-in Minas Itinerante – iniciativa do Sebrae Minas para estimular a atividade turística e o desenvolvimento dos pequenos negócios mineiros.
A assistente do Sebrae Minas Karla Maynart destaca que os produtos e serviços oferecidos aos influenciadores foram selecionados entre os empreendedores que participaram de capacitaçõ es nas áreas de gestão, marketing, precificação e modelo de negócios. “Ao longo de três meses, articulamos diversas ações para chegarmos a esse resultado: admirados com as belezas da cidade, influenciadores digitais as levaram ao mundo – em tempo real – por meio de relatos nas redes sociais”, conta.
O programa destacou a vocação da cidade para o enoturismo, embora a tradição produtora de vinhos remonte aos tempos coloniais. “Desde 2001, graças a uma parceria público-privada, conseguimos resgatar a tradição dos vinhos artesanais na cidade, que, agora, foram apresentados aos influenciadores que vieram à Quinta do Campo Alegre para apreciá-los”, diz Ana Júlia Duarte, representante comercial da vinícola, parceira da iniciativa. A jovem empreendedora acredita que o Check-in Minas Itinerante foi um presente não só para sua vinícola de quatro hectares e meio, mas, principalmente, para a cidade. “O programa nos ajudou a resgatar nossa tradição. O produto artesanal carrega consigo uma história, além de muito amor e dedicação durante a fabricação. Dar visibilidade a esse trabalho – que envolve desde a poda invertida à associação do nosso vinho com geleias, queijos e quitandas locais – não tem preço.”