
Vale do Jequitihonha
Ofício que inspira e une gerações
Fortalecimento da identidade e origem do artesanato amplia as oportunidades para artesãos do Vale do Jequitinhonha
Thais Nascimento
O Vale do Jequitinhonha é um verdadeiro berço de arte e cultura, um território que transforma o barro em obras de arte e histórias de superação. O local é conhecido especialmente pelo seu artesanato em cerâmica, que representa figuras humanas, animais e cenas do cotidiano, carregando em cada peça a alma de sua gente. O barro da região transforma a boneca de brincar em boneca para encantar e os vasos de guardar em objetos para decorar. Mais do que tudo, essas criações são a expressão de resiliência, talento e profunda conexão dos artesãos com a terra. No Vale, o território é matéria-prima, o produto é arte, e o produtor é artista.
O que é storytelling?
É a arte de contar histórias de forma envolvente, com o objetivo de transmitir uma mensagem e gerar identificação.
Há mais de duas décadas, o Sebrae Minas atua no desenvolvimento do território, promovendo várias intervenções de impacto. Há consultorias e capacitações dos artesãos em design, processos de produção, gestão e acesso a mercado, além do apoio para a participação nas principais feiras nacionais de artesanato. E um dos principais reflexos dessa transformação é o envolvimento cada vez maior das novas gerações com a atividade, garantindo sua perpetuidade de forma sustentável. “O desenvolvimento do artesanato na região resultou em uma maior profissionalização da atividade, aumento de renda e, consequentemente, no reconhecimento das novas gerações sobre o potencial transformador do setor. O que antes era visto apenas como uma ocupação familiar agora se consolida como uma importante fonte geradora de renda”, explica Julian Silva, analista do Sebrae Minas. As capacitações para uso das redes sociais, com técnicas de fotografia e storytelling, constituem outro elemento do trabalho.
Um exemplo da perpetuidade dessa tradição entre as novas gerações é o de Sara Silva, de Campo Buriti, que aprendeu o ofício com a mãe, Zélia. “Quando casou, a minha mãe aprendeu o artesanato com a sogra dela. Então, desde pequena vejo minha mãe fazer suas peças e, de cinco anos para cá, nossa família se dedica inteiramente ao artesanato.” Das vantagens de trabalhar em família, Sara aponta o conforto de casa e o ambiente mais leve. “Trabalhamos em grupo, tomamos café, contamos casos e rimos muito.”
Atualmente, graças à internet, os limites do Vale foram ultrapassados, conectando as belezas do artesanato a outros cantos do Brasil e do mundo. Sara diz que, antes, as artesãs não imaginavam o tamanho do alcance e comemora o que é viabilizado pela divulgação nas redes sociais. “Quando minha mãe trabalhava sozinha, conseguia vender alguma peça somente no grupo de artesãos do município ou quando às vezes vinha alguém visitar. E, hoje, mais pessoas conhecem o artesanato nas redes sociais e querem vir até aqui”, celebra.

Crédito: Pedro Vilela
Sara conta como o Sebrae auxilia os artesãos da região. “Desde meu envolvimento completo com o artesanato, lembro que o Sebrae vem ajudando a todos os artesãos daqui do distrito e demais comunidades, abrindo caminhos para expandir nossos horizontes e oferecendo capacitação, orientação e apoio.”
O valor da origem
Em 2021, o trabalho das artesãs recebeu um impulso importante, que reforçou a identidade local e a valorização daqueles que moldam a realidade do Vale: a criação da primeira marca que representa a origem do artesanato em Minas, a Vale do Jequitinhonha. Idealizada pelo Conselho das Artesãs do Vale do Jequitinhonha em parceria com o Sebrae Minas, a iniciativa visa destacar a origem dos produtos, proteger os artesãos de cópias e incentivar o artesanato como fonte de renda. “O artesanato do Vale tem ganhado muita notoriedade e, na medida em que isso ocorre, aparecem as cópias. Logo, a marca território é um instrumento de proteção desses artesãos, com foco na identidade e na origem desse produto”, pontua Julian Silva, analista do Sebrae Minas.
Confira o trabalho da marca-território pelo Instagram
Além disso, o Sebrae Minas formou o Conselho das Artesãs do Vale do Jequitinhonha, grupo que é um exemplo de transformação em conjunto de uma região. O coletivo conta com cerca de 150 artesãs, das comunidades de Coqueiro Campo e Campo Alegre (distritos de Turmalina), Cachoeira do Fanado (distrito de Minas Novas) e Santana do Araçuaí (distrito de Ponto dos Volantes). Durante 2024, foram realizadas atividades para organizar o grupo, capacitar seus integrantes e planejar a atuação.

Crédito: Divulgação
O objetivo do Conselho das Artesãs do Vale do Jequitinhonha é fortalecer a divulgação do artesanato da região e proteger a arte do Vale do Jequitinhonha de cópias e situações que possam colocar em risco o artesanato local. A presidente do Conselho, Maria Aparecida de Souza, ressalta a importância da união do grupo. “Mesmo que as comunidades estejam distantes umas das outras, estamos conseguindo crescer juntas. Com o grupo somos mais fortes nas decisões e na divulgação da nossa arte.”
Retomada das raízes
Para 2025, está sendo desenvolvido um projeto de resgate das peças originárias, com a criação de uma nova coleção. As artesãs já estão recebendo consultorias na área de design, focadas no resgate das peças tradicionais das comunidades e no reforço das características autênticas do artesanato da região. A analista do Sebrae Minas Amanda Guimarães explica que essa reconexão é fundamental para exaltar e nutrir o potencial da produção artesanal do Vale do Jequitinhonha ao reconectá-lo com seu valor cultural, artístico e estético.
A iniciativa busca valorizar o modo de fazer o artesanato local e as particularidades das peças a partir da linguagem original de cada associação, promovendo o reconhecimento das técnicas artesanais únicas e a preservação de saberes. “Fomentamos o sentimento de pertencimento ao lugar, além de contribuir para o aprimoramento dos produtos e para a sua inserção em novos mercados”, destaca Amanda. A designer Paula Dib tem conduzido as consultorias. "Estamos retomando as memórias da atividade tradicional, convidando as artesãs a entender esses registros e como eles impactam na arte”, diz.
Amanda Guimarães relata que a iniciativa vai ajudar a mostrar as histórias da região para o mundo. “Também estamos fazendo um trabalho de comunicação com as jovens, ensinando para elas como contar as histórias do Vale do Jequitinhonha para alimentar um Instagram da marca território que elas mesmas administram”, destaca.

Crédito: Pedro Vilela
Saberes repassados
No Vale, cada peça é uma história e cada história é um legado da identidade cultural do território. Para muitos artesãos, o artesanato não é só sustento, mas também herança, que se perpetua de geração em geração, símbolo da resistência de um povo. Foi assim na família da Sara e também na da Jaqueline Souza, moradora da comunidade de Poço d´Água, em Turmalina, no qual o artesanato foi iniciado pela bisavó, Dona Paulina. “Ela fazia as peças para sustento, pois ficou viúva muito nova, com filhos pequenos. Na época, o artesanato era pouco valorizado, e ela trocava a produção por alimentos.”
Dona Paulina ensinou a arte para a filha, Rita, que ensinou para sua filha, Anísia, a mãe de Jaqueline, que, por sua vez, começou a fazer peças aos 12 anos. Houve um período em que a artesã conciliou o emprego formal com o artesanato. Após a estruturação do Conselho das Artesãs do Vale do Jequitinhonha e da marca território, Jaqueline viu que poderia trabalhar integralmente com a arte. “Me dedicando ao artesanato, aumentei a produção, desenvolvi peças novas, e participei de feiras por todo o Brasil.”

Crédito: Pedro Vilela
Jaqueline se orgulha de ter seu trabalho reconhecido e de suas realizações pessoais, como conquistar a casa própria e poder acompanhar o crescimento da filha de 7 anos, que já brinca com o barro. “Tenho a expectativa de que vai melhorar ainda mais e vamos ter mais conquistas”, comemora.
Lilia Gomes Xavier Dias é da comunidade de Campo Alegre, também no município de Turmalina, e herdou o talento e as tradições do Vale. Ela faz parte da terceira geração de sua família envolvida com a atividade. “Aos 10 anos, eu já fazia peças pequenas, como porquinho, sapinho e galinha. Hoje em dia faço filtros, queijeiras, botijas, cachepôs, pratos, sopeiras, entre outros. É uma sensação muito boa pegar o barro e transformar em peças e cores maravilhosas, é um dom de Deus”, afirma.
O reconhecimento do artesanato do Vale vai além das peças em barro. É um processo que ressignifica o território e a vida de quem o habita. No Vale, os rostos das pessoas estão impressos na arte. E, juntos, artistas e território contam uma história de talento, tradição e esperança.
