Histórias de Sucesso

Maria do Fé

Criatividade e sustentabilidade alinhadas

Papel machê e fibra de bananeira são matérias-primas dos artesãos da cidade do Sul de Minas


Thais Nascimento

Localizada na Serra da Mantiqueira, na região sul de Minas Gerais, a cidade de Maria da Fé é conhecida por ser uma das mais frias do estado, com temperaturas que podem chegar a menos de 0°C durante o inverno. Mas o local é famoso não apenas por esse atributo: o artesanato de peças de decoração e utilitários feitos com papel machê e fibra de bananeira é outra atração local.

A cidade de Maria da Fé é famosa pelo artesanato com papel machê e fibra de bananeira
Crédito: Pedro Vilela

O que hoje é sinônimo de orgulho e reconhecimento foi uma alternativa para sustento de muitas famílias no final da década de 1990. À época, a queda no preço da batata, principal cultivo do município, levou muitas famílias à falência e gerou incertezas sobre o futuro.

O designer Domingos Tótora atuava como professor de artes para crianças e teve uma ideia: ao ver muitas caixas de papelão abandonadas na porta de lojas, resolveu experimentar dar um novo uso a elas. Ele fez testes usando uma mistura de massa de papelão com cola e água para criar pratos, tendo como resultado um material bonito e de qualidade. Assim, do reúso de um recurso disponível, com criatividade, surgiu o artesanato com papel machê, alternativa de geração de renda que passaria a ser marca de Maria da Fé.

Diante do potencial da cidade para o artesanato, o Sebrae Minas iniciou um trabalho ali, em parceria com a Prefeitura, no ano de 1999. Foi quando a Cooperativa Mariense de Artesanato foi criada, em paralelo ao Projeto de Desenvolvimento do Turismo Rural em Maria da Fé. “A iniciativa teve origem no contexto de turismo rural trabalhado pela administração local, focando a geração de emprego e renda e a valorização do artesanato como expressão cultural e econômica da região”, relata a analista do Sebrae Minas Andressa Paes.

Há 25 anos o grupo Gente de Fibra fomenta o artesanato local
Crédito: Pedro Vilela

Foi em uma das reuniões do projeto que Domingos apresentou a técnica criada por ele. Surgia ali a Oficina Gente de Fibra, grupo formado pelo artista e outras cinco mulheres que passou a ensinar o artesanato de papel machê e fibra de bananeira para outros artesãos, além de produzir peças para venda.

Reposicionamento
Em 25 anos de história, o grupo Gente de Fibra construiu uma trajetória de sucesso, destacando-se pela criação de produtos exclusivos, sustentáveis e de alta qualidade, conquistando tanto o mercado nacional quanto o internacional. Contudo, o grupo enfrentou desafios, como a necessidade de se reinventar em um mercado cada vez mais exigente, especialmente em um cenário em que a inovação responsável e a transparência sobre a origem dos produtos são pontos fundamentais, e a demanda de envolvimento das novas gerações na atividade, em um trabalho de sucessão. O Sebrae Minas, então, iniciou um novo trabalho para reestruturar a governança e reposicionar estrategicamente a cooperativa, além de incluir os jovens. “Fortalecer a identidade, fomentar a inovação em gestão e a conexão com novos mercados são passos cruciais para consolidar o legado do Gente de Fibra e garantir a sustentabilidade futura do projeto”, ressalta Andressa.

Kely está há 10 anos no Gente de Fibra
Crédito: Pedro Vilela

As atividades começaram em setembro de 2024, com uma série de ações estratégicas, como o mapeamento de recursos internos e externos da cooperativa. Além disso, estão sendo realizados workshops para os artesãos nas áreas comercial, financeira, de marketing e design, visando definir um novo planejamento estratégico e capacitar os artesãos para as novas demandas do mercado. Novos produtos também estão sendo criados, sempre sendo mantido o alinhamento à identidade cultural local, e há ações de promoção da cooperativa em feiras e eventos nacionais, conferindo visibilidade ao trabalho.

Kelly Cristina Oliveira é artesã e está no Gente de Fibra há dez anos. Durante a nova fase do projeto, ela participou das capacitações promovidas pelo Sebrae Minas pela primeira vez. “Os workshops estão nos fazendo pensar além do artesanato. Há muitos conhecimentos envolvendo gestão que são extremamente importantes para comercializar e produzir a nossa arte.”

Como continuidade do reposicionamento estratégico, para 2025 estão previstas ações para a consolidação de produtos que representem a essência regional, o redesign da marca, a ampliação da integração com o turismo local e a promoção do artesanato como uma experiência cultural. A analista do Sebrae Minas explica que estão também previstos a ampliação das redes de comercialização, com foco em design sustentável e inovação, o incremento da formação, a inclusão de novos artesãos e o lançamento de uma nova coleção, com participação em grandes feiras, como “Essas ações visam não apenas promover a sustentabilidade financeira da cooperativa, mas também reforçar seu papel como um exemplo de empreendedorismo comunitário e inovação no artesanato brasileiro”, destaca Andressa.

Gente de Fibra

Rosilene comemora a trajetória do Gente de Fibra
Crédito: Pedro Vilela

“O nosso trabalho é de grande ajuda para o meio ambiente: reciclamos o papel que recolhemos do comércio e usamos a fibra de bananeira que o produtor rural descartaria, evitando que elas ficassem no terreno.”

Rosilene Cruz está no Gente de Fibra desde a sua fundação. Antes do grupo, ela fazia trabalhos manuais de ponto cruz e crochê e se orgulha da trajetória que foi construída em conjunto. “Posso dizer que é um trabalho que me realiza, que a gente faz com amor e carinho. A gente começou junto, não foi uma coisa fácil nos manter no mercado, foi muito trabalho, foi muito esforço de todo mundo. Não consigo me ver fora daqui.”

Entre os objetos produzidos pelo Gente de Fibra estão mandalas, fruteiras, porta-retratos e vasos. “Temos pessoas de várias idades no grupo e todos fazemos um pouco de tudo, desde recolher o tronco da bananeira na roça até a pintura das peças. Procuramos fazer um trabalho com identidade local, buscamos o que a cidade oferece. A maioria das peças é inspirada pela Igreja Matriz Nossa Senhora de Lourdes e nas oliveiras”, relata Rosilene.

Gente de Fibra na Feira Nacional do Artesanato, em Belo Horizonte
Crédito: Amanda Ketly

A artesã diz que os objetos produzidos encantam os frequentadores das feiras de que participam pela beleza e sustentabilidade ambiental. “Em 2024, eu pude ir a feiras de artesanato em Brasília, Belo Horizonte e São Paulo para expor o nosso trabalho. Quando chegam no nosso espaço e descobrem que é um trabalho feito com papel, fibras e pigmentos da terra, as pessoas ficam entusiasmadas.”

Além do Brasil, as peças do Gente de Fibra já alcançaram outros países. “É um orgulho a gente levar um pouquinho de Maria da Fé para vários lugares. No fim de 2024, estávamos com uma exposição na Colômbia, mandamos peças para a Áustria. Então atingimos lugares em que nunca imaginamos chegar”, comemora Rosilene.

A artesã Edna se apaixonou pelo artesanato à primeira vista
Crédito: Pedro Vilela

Já a artesã Edna Ferreira está há 22 anos no Gente de Fibra. Antes de integrar a cooperativa, ela trabalhava na área de serviços gerais em uma escola da cidade e fazia trabalhos artesanais em casa. Durante as férias escolares, participou das oficinas, e foi amor à primeira vista. Agora, sua renda principal vem do artesanato. “O nosso trabalho é de grande ajuda para o meio ambiente: reciclamos o papel que recolhemos do comércio e usamos a fibra de bananeira que o produtor rural descartaria, evitando que elas fiquem no terreno.”

Edna confirma que a cooperativa já teve dificuldades e crises, muitas em função do cenário econômico, mas a boa aceitação e a divulgação do produto ajudaram na superação dos contratempos. “Já tivemos quedas importantes em vendas, mas conseguimos nos apoiar e superar todas elas. Divulgamos nossos produtos no Instagram, em matérias de TV, e sempre há indicações. O produto é bem aceito devido à qualidade.”

As artesãs concordam que o trabalho vai muito além de fomentar a economia de Maria da Fé: cria uma identidade, empodera famílias e prova que a união de artesãos é capaz de gerar ótimos resultados, mesmo nos momentos difíceis. “Acho que o nome da cooperativa já diz tudo. Se estamos aqui hoje é porque todo mundo teve fibra, garra e vontade de ver a nossa cooperativa funcionando e levando a identidade de Maria da Fé para o mundo”, frisa Rosilene.