Histórias de Sucesso

Urucuia Grande Sertão Veredas

Tecendo histórias em forma de arte

Atuação do Sebrae valoriza a origem do artesanato produzido
pelos artesãos do Urucuia Grande Sertão Veredas


Lucas Alvarenga

Nas mãos das artesãs do Urucuia Grande Sertão Veredas, na região Noroeste de Minas, a pluma fiada do algodão recebe corantes naturais da flora local. Tingidos com as cores do Cerrado, os fios que sustentam a trama são entrelaçados no tear, formando xales, mantas, colchas, jogos americanos e caminhos de mesa ricos em história e cultura. Uma tradição singular que ganhou um reforço para sua preservação: em novembro do ano passado, foi construída uma nova estratégia de atuação para o território.

A meta é valorizar a identidade e origem do artesanato local e chancelar o trabalho feito por nove comunidades: Arinos, Sagarana (distrito de Arinos), Bonfinópolis de Minas, Chapada Gaúcha, Serra das Araras (distrito de Chapada Gaúcha), Natalândia, Riachinho, Uruana de Minas e Urucuia. Todas estão reunidas na Central Veredas, fundada em 2008, com apoio do Sebrae Minas e outros parceiros para atuar como rede solidária de cultura, compra coletiva de materiais.

Reconhecido pela forma criativa como retrata a vida no sertão mineiro, o artesanato local está conectado a ofícios e saberes tradicionais atrelados às cadeias do algodão, dos bordados e do buriti. Os produtos são inspirados em cantigas, danças e folias, além da religiosidade. “O Vale do Urucuia também se destaca por ser uma das únicas regiões do estado a manter uma cadeia completa e sustentável do artesanato com algodão. A cooperativa dos agricultores familiares planta e colhe o algodão, que é entregue às artesãs, responsáveis por fiar, tingir, tecer e bordar”, detalha a analista do Sebrae Minas Daniele Moreira.

Arte em risco

O artesanato local quase foi comprometido pela pandemia de Covid-19, quando, durante o isolamento social, muitos artesãos não puderam seguir com o ofício. Moradora do Projeto de Assentamento Saco do Rio Preto, em Natalândia, Marisa Fernandes da Silva aprendeu o ofício de fiandeira com a mãe e a avó, assim como muitas mulheres da região. Ela lembra os momentos difíceis. “A pandemia nos distanciou e obrigou muitas colegas a parar de fiar”, relata.

Lúcia Aparecida de Brito é presidente da Central Veredas
Créditos: Pedro Vilela

A costureira, bordadeira e presidente da Central Veredas, Lúcia Aparecida de Brito, ressalta a relevância do trabalho que elas faziam juntas. “Era algo também terapêutico. Juntas, cantávamos, tecíamos, bordávamos, recordando o passado e agradecendo ao Cerrado, porque, sem ele, não teríamos nada”, admite. Depois da pandemia, Sebrae Minas e Central Veredas enfrentaram o desafio de reconectar os artesãos com sua essência e seus ofícios por meio da estratégia do artesanato de origem. Após um diagnóstico do território, em 2022, foi iniciado o projeto de criação de uma marca coletiva. “As finanças da Central Veredas estavam fragilizadas, assim como a autoestima das artesãs. Com uma abordagem multidisciplinar, estamos conseguindo ajudar os artesãos a se sentirem parte viva desse território e colocar essas pessoas no seu lugar de direito: de protagonistas do Urucuia Grande Sertão Veredas”, pontua Daniele.

Para Marisa Silva os mutirões após a pandemia foram momentos de celebração da cultura da região
Crédito: Pedro Vilela

O trabalho teve três frentes: pessoas, produtos e território. A primeira fortaleceu a governança e os núcleos produtivos por meio de vivências, da autoestima e da retomada dos mutirões. A segunda atuou no resgate de ofícios e tradições, além do fortalecimento da identidade dos produtos e dos negócios. A terceira fase foi direcionada ao reposicionamento do território, com foco na identidade e origem, por meio do desenvolvimento da estratégia de marca coletiva.

Os artesãos do Urucuia Grande Sertão Veredas são guardiões de saberes ancestrais e preservam a cultura ensinada pelos antepassados, como músicas, danças, artesanato e religiosidade. Acostumadas a fiar novelos, Marisa se encantou pelos mutirões de artesãos. Os encontros – que reuniam fiandeiras, tecelãs, bordadeiras e artistas que trabalham com a fibra do buriti – se tornaram um espaço de arteterapia. “Eu me recordo até hoje de um mutirão em Sagarana, onde cantamos ao som da sanfona da Dona Gercina. Foi um momento de celebração e troca de experiências para manter a nossa cultura viva.”

“Com o apoio dos consultores do Sebrae, os artistas da nossa região desenvolveram novas peças que, embora contemporâneas, refletem o modo de criar dos nossos antepassados e as tradições locais, como a Folia de Reis, o lundu e a colheita do baru”, ilustra a estudante de design de moda e coordenadora da Central Veredas, Monique Figueiredo.

No início de novembro de 2024 aconteceu o evento de apresentação da nova estratégia e da marca coletiva, na cidade de Arinos. O lançamento foi celebrado. “Minha expectativa é que Deus prepare que a gente vá longe, que a gente abranja o mundo todo, comemora Lúcia.

O que é uma marca coletiva?

Há cerca de 15 anos, o Sebrae Minas desenvolve estratégias de identidade e origem, como a criação de marcas coletivas. Diferentemente das marcas território, elas valorizam produtos, serviços e saberes tradicionalmente mantidos por grupos ou entidades. A iniciativa contribui para divulgar a origem do produto, dar notoriedade à região e estimular a atividade como fonte de renda, gerando reconhecimento do mercado.

Tradição e sucessão

O trabalho artesanal com algodão é uma ocupação tradicionalmente doméstica e feminina no Noroeste de Minas. Contudo, antes adotada para suprir as necessidades internas do lar, a arte de tecer se tornou fonte de renda complementar das mulheres do território.

Monique Figueiredo: tradições locais valorizadas em peças contemporâneas local
Crédito: Pedro Vilela

Hoje, a maioria das 150 mulheres associadas à Central Veredas está na terceira idade, mora na zona rural e já tem sua aposentadoria. “São fiandeiras, tingideiras, tecelãs e bordadeiras que não tinham lojas para comprar tecido, nem fazer roupas e cobertas. Por isso, aprenderam esse ofício, embora não tenham enxergado toda a potência daquele artesanato”, salienta Monique.

Há 16 anos, Lúcia Brito deixou o campo para buscar novas oportunidades junto com os três filhos. Tão logo conheceu a recém-criada Central Veredas, matriculou-se em um curso de bordado. “Eu me lembrei da minha avó me ensinando a costurar. Hoje, dou aulas de bordado para alunos da Escola Estadual Professor Benevides, em Arinos, porque tenho certeza de que eles, um dia, continuarão nosso legado e seguirão criando peças.”

Aos poucos, o esforço de Lúcia e outras artesãs transformou em reconhecimento o preconceito que antes afastava as novas gerações da tradição, costuradas décadas a fio. “Com a visibilidade conquistada após o lançamento da marca coletiva muitas mulheres já retomaram para o grupo e demonstraram o interesse em seguir esse trabalho”, ressalta Daniele.

A estratégia da marca coletiva também fiou um caminho de retomada nos grandes eventos nacionais. E, agora, reconhecidos nacionalmente por sua arte, os artesãos do Urucuia Grande Sertão Veredas seguem seu curso; assim como a frase célebre de Riobaldo, narrador-personagem de “Grande Sertão: Veredas” evidencia: “A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”.

Estratégia Identidade e Origem

O Sebrae Minas tem promovido a metodologia de Identidade e Origem, a partir da perspectiva do consumidor que passa a valorizar produtos únicos e com procedência singular baseado em sua origem de produção. Essa abordagem gera valor, diferencia o produto de determinado território em relação aos demais, fortalece a competitividade, inspira consumidores e fomenta o senso de pertencimento.

Além do algodão, o buriti é outra matéria-prima do artesanato local
Crédito: Nitro