O sócio e Chief Sales Officer (CSO) da StartSe, Fábio Neto, compartilha sua trajetória e fala sobre a postura dos empreendedores frente à “nova economia”.
Cristina Mota
Em um mundo com múltiplas fontes de informações repassadas de forma cada vez mais ágil, muitas vezes os empreendedores podem se sentir confusos e não conseguir avaliar cenários e dados com clareza. Justamente para contribuir para a curadoria de informações, conectando e educando empreendedores, é que surgiu a StartSe. A revista Histórias de Sucesso conversou com o executivo Fábio Neto sobre o cenário e quais as condutas recomendadas aos pequenos empresários.
Conte um pouco de sua trajetória profissional e do seu trabalho atual na StartSe.
Sou mineiro, de Uberlândia, já morei em outras cidades mineiras, conheço várias Minas Gerais. Desde muito novo, fui estimulado a ter um negócio, meu avô era empreendedor. Cursei Administração de Empresas e fiz minha carreira em grandes companhias. Foram 15 anos nessa jornada e aprendi muito, especialmente atuando no ramo de shopping centers, lidando com lojistas que são micro e pequenos empreendedores.
Durante a pandemia, programei uma transição de carreira, deixando a vida executiva para ter meus próprios negócios. Com um sócio, montei uma aceleradora de empresas que se chama Impulse, na qual temos alguns negócios, uns que deram errado, outros que deram certo e estão indo muito bem. E aí me tornei sócio da StartSe, empreendendo junto com o time dos fundadores. Atualmente, estou dedicado full timing, e nosso grande propósito é ajudar empresas e pessoas em processo de transformação. Como vivenciei isso, tenho um repertório legal para ajudar grandes e pequenas empresas.
Qual é o contexto da “nova economia” para o qual a StartSe tem preparado os empreendedores?
Vivemos um momento que chamamos de “revoluções simultâneas”. É muita coisa junta, mudando ao mesmo tempo. Nós nos acostumamos a mudanças incrementais, tínhamos uma transição político-econômica, uma transição de moeda, um problema com uma taxa de juro, altos e baixos de crise. De repente, você tem isso tudo, de uma vez. Há uma mudança do cliente, cada vez mais infiel e cada vez mais caro. Há uma mudança do colaborador, cada vez menos engajado, com expectativas completamente novas sobre como liderar. Há mudança dos mercados, dos consumidores, dos clientes, dos competidores. Todo mundo resolveu competir com você. Toda essa mistura de coisas criou um grande descompasso com o modo como aprendemos a gerir empresas, e isso tem deixado todo mundo extremamente ansioso por uma transformação. E o que frustrou muitas empresas nos últimos anos foi a ideia de que esse processo tem um fim. Mas ele tem de ser contínuo, porque você faz muitas coisas para se mover do ponto A ao ponto B, mas quando você alcança o ponto B, ele já se moveu, está à frente e você tem que correr atrás.
Nós tentamos entender, junto com os clientes, como trabalhar esse tripé da transformação: estratégica, digital e cultural. O empresário muitas vezes entra em negação, acha que a transformação não é para ele, vê apenas a loja do outro lado da rua como concorrente, quando há uma competição global. É uma visão míope. Organizar essa complexidade é o grande desafio hoje do que a gente está chamando de “nova economia”, desse novo momento do mundo, que é saber muito bem capturar o desejo do cliente e, ao mesmo tempo, estar atento aos sinais de transformação. Como criar empresas profissionais, que tenham um repertório mais amplo e não conheçam só do seu negócio, mas que conheçam de negócio saibam como dinamizar isso tudo e, ao mesmo tempo, tenham capacidade de execução e de trazer o time certo para fazer isso acontecer?
Quais são os países que estão moldando o futuro dessa “nova economia”?
Na StartSe, decidimos olhar para três grandes hubs que, para nós, estão liderando a transformação nas últimas décadas. O primeiro é o que tem transformado o nosso jeito de viver no Ocidente, o Vale do Silício, na Califórnia. É onde nasceram as empresas que mais usamos no dia a dia. Estar ali é, de fato, se antecipar às transformações. Levamos turmas para lá, para tentar “capturar” as ideias. Outro hub é a China, país que saiu da pobreza e se tornou a maior potência do mundo em 40 anos. Eles tiveram um avanço tecnológico e vários saltos que nunca vimos no Ocidente. O terceiro hub é Israel, considerada uma nação empreendedora. Eu estive lá antes do conflito, para entender como um país daquele tamanho, no meio do Oriente Médio e de uma extrema escassez, tornou-se uma superpotência tecnológica e inovadora.
É muito importante estar atento a esses três locais e entender que tipos de negócios estão surgindo ali e como. Porque as grandes transformações não obedecem mais a uma lógica de tempo, mas sim a uma lógica de espaço. Quando eu vou ao Vale do Silício nos dias de hoje, eu visito algo que já existe lá, mas é futuro para o Brasil. Você pede um carro lá e não há motorista. Para eles, isso é realidade; para nós, é futuro. Da mesma forma, quando eu vou para a China e acesso o sistema bancário completamente diferente, consigo observar o que pode ser o nosso futuro de forma antecipada.
A que os empreendedores precisam estar atentos para avaliar suas necessidades de aprendizado?
Em qualquer setor, geralmente as tendências chegam no formato de notícias sobre um novo concorrente, uma nova tecnologia, um produto diferente. O desafio é como olhar para essa tendência: ela é uma disrupção ou uma distração? Se o empreendedor acha que é uma disrupção e foca demais isso, pode estar se distraindo do foco do seu negócio. Se ele acha que é uma distração, vai ignorar e continuar fazendo “um arroz com feijão” e pode ficar vulnerável a essa tendência. É um grande dilema.
Eu me lembro de varejistas em Manaus, por exemplo, dizendo-se tranquilos porque o Mercado Livre não iria entrar lá, pois precisaria de barco, de avião. Pois bem, o Mercado Livre comprou barco, avião e entrou. Ou seja, é preciso olhar uma tendência macro, que está lá no Vale do Silício, e analisar quando é que ela vai chegar a uma cidade do interior de Minas. É preciso avaliar a que distância essa tendência está de mim, e qual o impacto no meu negócio caso ela chegue até mim e qual clareza eu tenho sobre isso. É a hora de pensar: se isso ocorrer, o que vou fazer? Tomo uma decisão agora ou aguardo? Eu me antecipo ou aguardo? Há um provérbio chinês que diz “cave o poço muito antes de sentir sede”. E vemos que, em muitas empresas, quando a sede vem, já é tarde demais, não tem mais poço.
Então, quando falamos de empresas infinitas, estamos falando daqueles empresários que são capazes, o tempo todo, de matar o seu próprio negócio para renascer. E aí tem um conceito: nós somos apaixonados por produto, serviço. E isso gera uma vulnerabilidade. Temos de nos apaixonar pelo problema que o produto resolve e não pelo produto que resolve o problema. Vou dar um exemplo. Desde que o mundo é mundo, há o problema de como ouvir música. Vários produtos resolveram esse problema. Tivemos o vinil, a fita cassete, o CD, o iPod. Agora, é o Spotify. Amanhã, sei lá qual vai ser, mas todos aqueles outros produtos morreram, porque eles resolveram o problema em determinado momento e, depois, perderam o sentido. O ponto é saber como eu mato meu próprio negócio para continuar resolvendo aquele problema. Nada acontece de repente, da noite para o dia. Gradualmente, a música digital ficou boa, ninguém mais comprou CD.
Então, o empresário, às vezes, olha uma ameaça e a julga como pior do que o produto/ serviço que ele oferece. Ignora que aquele produto vai melhorar e vai tomar o espaço. Mas nada é de repente, é gradual.
Como os pequenos negócios podem acompanhar as tendências para tomar as melhores decisões?
O primeiro ponto é o que não fazer: como eliminar as distrações? Porque somos muito bem-informados atualmente, mas isso não constrói conhecimento. Estamos na era da hiperinformação, somos bombardeados, e há uma falsa sensação de que sabemos de tudo, mas tudo é raso, não conseguimos conectar os pontos importantes para nossos negócios. Saber das coisas não significa saber de tudo exatamente, então a palavra-chave é “curadoria”. Como crio curadores das informações de que eu preciso? Dessa forma, devo entender quais informações são relevantes para que o meu negócio se mantenha relevante e criar os “veículos” que vão me trazer esse conteúdo, construindo essa curadoria. Há muitas fontes, espalhadas. Ser capaz de conectar esses pontos é um grande desafio, por isso que essa não é uma resposta simples.
O Brasil está evoluindo na criação desses espaços de curadoria a ponto de sair da posição de observador para criador de tendências?
Em geral, o empresário brasileiro gosta muito de observar. Nos maiores eventos de inovação do mundo, as maiores delegações são brasileiras. Já há um entendimento da relevância dessas ações, de ver as novidades. E o Brasil já tem bons ecossistemas espalhados pelo país, onde existem esses curadores.
Há hubs de inovação, onde alguém já está pensando, de alguma forma, sobre a curadoria do que você precisaria saber, e faz a conexão com a startup, que tem uma cabeça mais pra frente. Então, os empresários brasileiros vêm amadurecendo bastante. Não sei se por consciência ou se por dor, mas, atualmente, estamos muito mais maduros do que há dez anos.
Como o pequeno empreendedor pode desenvolver essa cultura de inovação?
O pequeno é multitarefas. Ele é o dono, é o financeiro, é o marketing. O grande ponto aqui é entender se o empresário é um bom operador, é o que mais entende das finanças, cuida do caixa, faz a curadoria de produto, é o guardião daquele business, ele deve buscar alguém, um sócio ou um funcionário, que vai olhar para o novo e para a inovação, ou repensar aquele modelo de negócio. E há o contrário, o empresário que odeia planilha, o dia a dia. É a pessoa das ideias. Então, o que ele tem que fazer? Trazer alguém do dia a dia, para ser o guardião que vai liberá-lo para as ideias.
Eu vejo o empresário brasileiro como muito solitário, por decisão. Ele quer voar, mas voo solo. É nessa hora do voo que é preciso escolher sócios, bons parceiros, buscar o Sebrae e outras instituições que podem ajudá-lo a fazer esse processo de olhar para o novo. O desafio de qualquer empresa, de qualquer tamanho, é a ambidestria. Tem que continuar fazendo muito bem o que sempre fez, porque isso paga a conta do futuro. Mas precisa criar uma exploração, investigação, para que, caso o meu negócio fique vulnerável, eu tenha alternativas, opções ou para melhorá-lo ou mesmo criar algo novo.