Histórias de Sucesso

Entrevista

“BRASIL É EXEMPLO”

Roberto Rodrigues vai destacar a sustentabilidade do agro brasileiro na COP30


Cristina Mota e Thaís Nascimento

Em novembro, Belém (PA) vai sediar a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP30. O evento tem como foco o fortalecimento dos compromissos climáticos globais, com avanço nas questões de financiamento climático e de apoio aos países em desenvolvimento e na preservação da Amazônia.

Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, Roberto Rodrigues será o enviado especial para a Agricultura na COP30. A escolha deve-se à sua experiência: ele já presidiu diversas entidades do agronegócio, foi ministro da Agricultura entre 2003 e 2006 e sempre teve a sustentabilidade como pauta de suas ações. A Revista Histórias de Sucesso conversou com Roberto sobre as expectativas para o evento e o cenário atual do agro brasileiro em relação ao tema. Confira.

Como avalia a sustentabilidade do agro no Brasil, estamos com bons resultados, boas práticas?
É um setor sustentável, e os números provam isso à exaustão. A área plantada com grãos no Brasil de 1990 até aos dias de hoje aumentou 116%, dobrou praticamente. E a produção de grãos cresceu 487%, quatro vezes e meio a mais do que o cenário plantado. O que é isso? Tecnologia. Atualmente, nós cultivamos no Brasil pouco mais de 60 milhões de hectares e temos uma tecnologia que só existe aqui. Nós fazemos até três safras por ano na mesma área. Isso é inédito, e, assim, conseguimos preservar 140 milhões de hectares. E isso não ocorre apenas com os grãos, mas em todas as culturas. No caso da proteína animal, considerando o mesmo período, a produção de frangos cresceu 541%; a de suínos, 333%. A de bovinos é mais lenta, com ciclo maior, e, ainda assim, cresceu 135%, com uma queda na área de pasto. Então, o agro brasileiro é muito sustentável. Outro ponto: o país tem uma área com floresta plantada para efeitos industrial-siderúrgicos para além de 10 milhões de hectares, que protegem mais de 100 milhões de hectares de floresta nativa. E, enquanto a matriz energética mundial é 15% sustentável, a brasileira é 50% sustentável, com 60% dela vinda da agricultura de biomassa.

Roberto Rodrigues será o enviado especial para a Agricultura na COP30
Crédito: Arquivo Pessoal

No caso dos pequenos negócios rurais e agricultores familiares, qual é o cenário?
O cenário dos pequenos negócios rurais é um pouco mais complexo. Na economia globalizada, a margem por unidade de produto é cada vez menor, de modo que o produtor rural obtém lucro na escala. O pequeno, por definição, não tem escala. Então, há uma tendência de que ele não tenha margem suficiente para seguir vivo, imagina para investir em tecnologia. Como é que o pequeno produtor faz sua escala? Na cooperativa, onde encontra uma forma de acessar o mesmo padrão tecnológico que o grande tem sozinho, os insumos necessários e outros serviços de que precisa. A cooperativa agrega valor para o pequeno produtor, o coloca no mercado, traz para ele a tecnologia e a sustentabilidade. Um bom exemplo disso são os sistemas integrados de produção de carne de frango e de suínos: é muito comum que haja uma integração, com os cooperados produzindo e a cooperativa sendo responsável por industrializar a proteína, agregando valor em escala.

Quais os principais desafios para que possamos melhorar os indicadores de sustentabilidade no setor?
Na minha opinião, o Brasil tem um papel fundamental na história da segurança alimentar energética mundial. Um estudo feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) diz que, para haver paz no mundo, a oferta de alimentos precisa crescer 20% em dez anos. E o Brasil, de acordo com a OCDE, aumenta 40% por ano, porque tem técnicas tropicais, políticas públicas, empreendedorismo. Então, quais são os desafios? O principal é ter uma estratégia para ocupar esse espaço. Primeiro, organizar logística e estrutura. Nós expandimos a produção do agro para o Centro-Oeste no século passado, mas a ferrovia não foi, o armazém não foi, o porto não foi. E isso tira muita competitividade do produtor rural brasileiro. Outro ponto é o comercial: aumentando o comércio, geramos emprego, riqueza, renda, o país progride. Dessa forma, seria essencial para o Brasil desenvolver acordos comerciais com grandes países consumidores. Há também a questão de agregação de valor. Para que vender soja ou milho? Eu quero vender o frango, o filé-mignon, o iogurte com o milho lá dentro, agregando valor aqui, no Brasil. Isso é um tema complicado, porque existe um instrumento chamado “escalada tarifária”, que permite aos países desenvolvidos comprar matéria-prima sem tarifa, mas, se há valor agregado, há tarifa, e nem sempre você consegue competir. Há, ainda, a demanda por uma política de renda para o campo. Temos que ter um Plano Safra a cada quinquênio, permitindo mais renda para o produtor rural. Temos o desafio da tecnologia. Nosso crescimento foi basicamente devido a ela, mas o processo está diminuindo, falta investimento para continuarmos crescendo. Por fim, um quinto ponto é a organização privada. As cooperativas e sindicatos são os braços econômicos da sociedade, precisamos aumentar muito esses instrumentos para melhorar a representatividade do produtor rural. E tudo isso tem que ser feito com sustentabilidade.

Em relação aos pequenos negócios rurais, em que aspectos é mais urgente avançar?
Eu acho, fundamentalmente, que é preciso levar mais tecnologia para os pequenos produtores. Eles são espertos e inteligentes, acessando a tecnologia, vão aplicá-la e progredir. É preciso também conhecer mercado, ter acesso ao comércio, o que nem sempre é possível para o pequeno produtor.

"Enquanto a matriz energética mundial é 15% sustentável, a brasileira é 50% sustentável”, pontua Roberto Rodrigues
Crédito: Arquivo Pessoal

Pode citar um ou mais cases emblemáticos de ação sustentável em pequenos negócios rurais?
Um exemplo típico é o que citei antes, as estruturas de verticalização, integração via cooperativas. O pequeno produtor cria o frango, o porco, mas a estrutura integrada vende para ele o pintinho ou o leitão, a ração, a estrutura de granja para abrigar os animais, o padrão tecnológico. E a estrutura integrada busca a produção. Esse é um processo muito sustentável. Ou seja, a cooperativa tem a indústria de transformação, que faz com que o produto tenha o mercado adicional e agregado em relação ao preço da matéria-prima, permitindo uma renda adicional também ao produtor associado.

O Sebrae tem muitos trabalhos no agro. Qual a relevância dessa atuação para o setor?
Eu tenho uma grande admiração pelo Sebrae, pelo trabalho que é feito junto ao pequeno produtor. Inclusive, quando eu tinha uma função mais executiva em outras instituições, eu tinha no Sebrae um apoio operacional muito bom para divulgar o cooperativismo, para fazer o exemplo frutificar em áreas mais pobres. As soluções e programas disponibilizados permitem o acesso ao mercado e a informações às quais os pequenos produtores jamais chegariam sozinhos.

Como tem sido o trabalho de preparação para a COP30?
A primeira coisa é deixar claro que a COP30 não é um evento do Brasil, da Amazônia nem do agro. Ele ocorrerá no Brasil e na Amazônia, mas é um evento global, com foco em discutir o tema das mudanças climáticas, da mitigação dos seus efeitos e da adaptação do clima no futuro mais próximo. A agricultura tem uma participação nessa discussão. Então, como enviado especial da agricultura, estou preparando, junto a uma equipe jovem e competente, um documento que tem dois componentes. O primeiro é contar a história do agro brasileiro dos últimos 50 anos com base na ciência. O que o agro fez, como avançou, considerando a questão da tecnologia, da inovação.

A segunda parte do documento tem três capítulos. Um deles mostra ao mundo que a agricultura brasileira pode ser replicada no cinturão tropical do planeta para aumentar a produção, com uso de uma tecnologia sustentável. O objetivo é explicar que o Brasil está disposto a ajudar o mundo a fazer replicar essa tecnologia tropical, além da legislação, da nossa organização de instituições. Nós queremos ensinar tudo, mas queremos que esse aprendizado seja financiado por países ricos que têm interesse também em promover a agricultura nos países em desenvolvimento. A segunda parte do documento chama a atenção para o protecionismo dos países mais desenvolvidos. Os subsídios para a produção e o comércio muitas vezes distorcem o mercado e inibem o acesso de gente mais pobre, que produz bem, com sustentabilidade. É preciso que o comércio seja justo para o mundo inteiro e não se criem regras para proteger alguém que vá destruir outro alguém. E o terceiro ponto é o pior de todos, que reconhece que o Brasil tem problemas, desmatamento ilegal, invasão de terras, incêndios criminosos, garimpo clandestino. Ou seja, nós temos leis que não são cumpridas no Brasil. E esse descumprimento é dos bandidos, do crime organizado etc. Agricultor não desmata ilegalmente, pois com isso ele vai perder a qualidade da produção. Ele não faz incêndio, não invade terra, ele trabalha na terra dele. Assim, temos um alerta para que os governos no Brasil, seja o federal, os estaduais ou os municipais, tenham um compromisso muito rigoroso com o fim da ilegalidade, que estraga a nossa imagem de uma agricultura sustentável, eficiente, competitiva.

Então, com esses temas eu espero levar ao mundo, a partir da COP30, uma visão de que o nosso agro é sustentável, mas carece de alguns instrumentos estratégicos que permitam o reconhecimento dessa sustentabilidade no mercado global.

Quais recados o agro brasileiro vai passar?
O recado é bastante claro. A OCDE avalia que o Brasil tem tecnologia suficiente e uma gestão adequada para crescer 40% da sua produção agrícola em dez anos, permitindo que o mundo acelere a sua produção em 20% e que a miséria no mundo se reduza, haja mais segurança alimentar, mais paz. Então, a expectativa é que o Brasil seja um ator eficiente, competitivo e efetivo no combate à fome mundial, no combate à miséria mundial, alimentando o mundo inteiro, transferindo tecnologia para o mundo tropical. Eu vejo esse horizonte muito positivo para o Brasil, mas, para isso, precisamos de políticas públicas e privadas que se somem no desenvolvimento da agricultura brasileira. Considero que está chegando a hora de isso acontecer, já é um tema discutido em muitas rodas acadêmicas.

Há algum outro ponto que gostaria de destacar?
É interessante mostrar que uma estratégia para o desenvolvimento da agricultura no país tropical depende de leis, de processos legislativos, integrais e jurídicos que deem segurança jurídica aos avanços. Para isso, é preciso que a sociedade entenda que a ligação entre o urbano e rural é siamesa. Eu sou um produtor rural que planta uma semente de soja que foi gerada por um cientista, um biólogo formado em uma universidade que fica na cidade. Então, sem a cidade não haveria a minha semente. O meio urbano também fabrica trator, caminhão, pneu, adubo, defensivo, máquinas agrícolas. Na cidade está o banco, que dá o crédito. É preciso ter essa visão de que a sociedade é um misto do rural e do urbano, que deve ser repassada ao povo brasileiro por meio da educação.