
Cicloturismo
AVENTURA SOBRE DUAS RODAS
Projeto de cicloturismo resgata a história e cria novas oportunidades de negócios no Vale do Aço
Thaís Nascimento
Longe do litoral, em meio às serras e montanhas, Minas Gerais teve que desenvolver um meio de conectar, por terra, o estado com os polos econômicos do Brasil Colônia. Foi nesse cenário que, no século XVIII, surgiram os tropeiros – homens que faziam longas viagens montados no lombo de mulas para levar mercadorias importadas e alimentos ao interior do país, desbravando matas fechadas e abrindo trilhas em lugares desconhecidos.

Crédito: Arquivo Sebrae Minas
O tropeirismo foi uma das primeiras atividades econômicas do Vale do Aço, e esses homens seguiam rumo a Ouro Preto, capital do estado na época, Mariana, Sabará e Santa Bárbara. Três séculos depois, os caminhos mudaram. As mulas deram lugar aos veículos motorizados, as trilhas se tornaram estadas asfaltadas e a mineração assumiu protagonismo na região. O tropeirismo, antes essencial, ficou para trás. Mas o seu legado permanece vivo, agora sobre duas rodas.
Em 2024, como forma de fortalecer o turismo na região do Vale do Aço, o Sebrae Minas lançou a Rota Vales dos Tropeiros de Cicloturismo. Com 210 km de extensão, o percurso atravessa seis municípios: Timóteo, Marliéria, Dionísio, São Domingos do Prata, Antônio Dias e Jaguaraçu. A rota une história, paisagens deslumbrantes, preservação ambiental e a criação de novas oportunidades econômicas para uma região predominantemente voltada à indústria do aço.

Crédito: Arquivo Sebrae Minas
“Percebemos a necessidade de diminuir a dependência das grandes empresas aqui instaladas. Então, o turismo vem para contribuir para diversificar a economia, trazendo uma opção de trabalho e renda para os moradores”, afirma o analista do Sebrae Minas Alessandro Challub.
Cicloturismo no Vale
A Rota Vales dos Tropeiros começou a ser elaborada em 2019, após estudos do Sebrae Minas apontarem o potencial da locomoção por bicicleta na região. De lá para cá, foram feitos o mapeamento dos trechos da rota, a criação de logomarca e a mobilização da comunidade.
Entre as ações já realizadas estão a sinalização de 80% da rota, a criação de um vídeo e do site do projeto com informações e mapas, além do lançamento de um catálogo de produtos, serviços e experiências com 22 empreendimentos do trecho. Junto com os empreendedores foram feitas as marcas, redes sociais das empresas e consultoria financeira. Também foi solicitada a instalação de vagões com adaptação para bicicletas na próxima licitação do trem de passageiros da Estrada de Ferro Vitória-Minas, possibilitando o acesso dos turistas ciclistas à região também por essa via.

Os próximos passos do projeto envolvem a capacitação dos empreendedores em gestão, finanças, vendas, marketing digital e atendimento; criação de ciclovias até o Parque Estadual do Vale do Rio Doce; e ações de governança e promoção do percurso.
Com o objetivo de fomentar o turismo sustentável e a preservação ambiental e contribuir para o desenvolvimento econômico do Vale do Aço, muitos moradores passaram a empreender. “A rota é composta por municípios menores, que têm economias muito dependentes das cidades maiores e sem grandes empresas gerando emprego e renda. Vários negócios nasceram dessa discussão sobre o potencial do turismo”, comemora Challub.
O VALE ALÉM DO AÇO
Desde 2011, o Sebrae Minas atua no fortalecimento do turismo no Vale do Aço por meio do Projeto Turismo no Vale e do apoio ao plano de ação do Circuito Turístico Mata Atlântica de Minas. Em 2015, foi feito um trabalho com os empreendedores locais por meio de capacitações, além de estudos para diagnosticar o potencial turístico do Vale do Aço.
Os resultados deram origem a quatro iniciativas estruturadas: os roteiros turísticos Serra dos Cocais, em Coronel Fabriciano, e Ipatinga Rural; e as rotas do Mutum, em Ipaba, e, mais recentemente, a Rota Vales dos Tropeiros de Cicloturismo.
Saiba mais
sobre as ações de turismo na região.
De hobby a negócio
“Eridany Bittencourt atuava na área de Tecnologia da Informação e praticava o ciclismo como hobby nas horas vagas. Entre um pedal e outro, se tornou amigo de Marcos Monteiro, com quem passou a dividir não apenas trilhas, mas também sonhos e planos para transformar a paixão em negócio. Após Eridany deixar o último emprego formal, em 2016, a dupla criou a Pedivela 175, em Timóteo.
No início, a loja funcionava em uma garagem nos fundos da casa dos pais de Eridany, mas, como um bom pedal, o negócio ganhou fôlego e se mudou para um espaço maior. Denominada como uma garagem studio bike, a Pedivela comercializa bicicletas para diversos públicos, além de peças e vestuário. Há, também, serviço de oficina especializada e um espaço de convivência para que ciclistas possam trocar experiências. “Como já praticávamos o ciclismo, percebemos a necessidade desse tipo de ambiente, pois o pessoal da bike sempre tem amizade entre si e muita história para contar”, conta Eridany.

Crédito: Cata Caldeira
Tendo como público principal os ciclistas da região, Eridany vê uma oportunidade para o seu negócio com a chegada da rota. Inclusive, os sócios auxiliaram o Sebrae Minas na construção do percurso. “Chegamos até a fazer a rota em nossas bikes em dois dias, para trazer informações das necessidades e adaptações que poderiam ser feitas para uma melhor vivência do cicloturista”, relembra.
Com o apoio do Sebrae Minas, os sócios passaram por oficinas de qualificação, redesenharam o layout da loja, aprimoraram o marketing e o atendimento ao cliente. Agora, Eridany aposta em um novo momento para a Pedivela e para o turismo local. “A rota vai contribuir muito para o crescimento do negócio e do ciclismo na cidade. Com o lançamento do catálogo, esperamos ter mais procura e ampliar o turismo na nossa região”, afirma.
Amor pelo território
“Marliéria, eu te quero sempre assim, quase que uma só rua: manhã de sol, noite de lua.” O verso é de Carmem Quintão de Castro, natural do município de quase 4,5 mil habitantes. As palavras foram inspiração para Denise de Castro, ex-professora universitária que, em 2020, decidiu voltar para a cidade natal, depois de 40 anos em Belo Horizonte.
Com a pandemia de Covid-19, Denise decidiu que não queria envelhecer sozinha e pensou em uma proposta de moradia coletiva. “Pensei nas pessoas que moram sozinhas nas cidades grandes e, às vezes, querem passear, viajar ou ficar uns dias em uma cidade pequena. A ideia foi amadurecendo, e surgiu uma pousada”, afirma.
Em 2020, ela abriu o Canto Dadê, caracterizada por Denise como uma pousada simples, aconchegante, afetuosa, com um pouco de história, um pouco de poesia, cercada pelas paisagens do Parque Estadual do Rio Doce e localizada no encontro de dois ribeirões da cidade. No mesmo lugar, comanda um pequeno bistrô, onde serve uma comida afetiva, mineira e autoral.

Crédito: Cata Caldeira
Ao saber do projeto de cicloturismo na região, Denise viu uma oportunidade de crescimento e buscou apoio do Sebrae Minas para capacitações. Inclusive, ela é a representante dos empreendedores no projeto da rota. “O Sebrae é uma opção de apoio inequívoco. Com a consultoria consegui redesenhar o meu negócio. Uma coisa muito difícil é conseguirmos ter capital de giro e, para isso, precisamos ter coragem e orientação para fazer determinado tipo de investimento”, destaca.
Assim como os bons ventos que sopram na tranquila Marliéria, Denise acredita que a rota de cicloturismo vai agregar muito para a cidade. E, para receber os turistas, ela tem muitos planos. “Quero remodelar o cardápio do bistrô e formar uma equipe para atender à demanda que está por vir”, ressalta.Resgate de tradições
Filha e neta de tropeiros, Edilma Martins encontrou no turismo rural um caminho para honrar o passado e construir o futuro de seu território, em Dionísio. Durante 30 anos, foi professora de Geografia e, ao se aposentar, em 2019, fez o curso de agente rural de turismo, encontrando ali uma paixão.

Crédito: Cata Caldeira
Foi nesse cenário que surgiu, em 2020, a Trem de Minas Uai Turismo, empresa que reúne experiências que conectam o turismo com as histórias do território e o amor por Minas Gerais. Uma delas é a Casa de Memórias Stella Pimentel, onde estão reunidas peças utilizadas pelos tropeiros, itens da coleção da família de Edilma ou doados por fazendeiros da região. No local, também fica a Venda Du Zé, onde a empreendedora comercializa queijos, canecas esmaltadas e azulejos feitos por ela mesma, além de produtos artesanais dos empreendedores locais, como mel, rapadura e doce de leite, entre outros.
Como forma de fortalecer o empreendedorismo entre as mulheres da zona rural, Edilma também ministra palestras sobre o poder econômico do turismo rural. “Eu me apaixonei pelo turismo, por proporcionar possibilidades de melhorias econômicas para as localidades e trabalho para que outras mulheres acreditem nesse potencial”, afirma.
Ao conhecer a proposta da Rota Vales dos Tropeiros de Cicloturismo, Edilma viu uma nova chance de fortalecer seus negócios. Ela passou a participar de consultorias do Sebrae Minas em temas como gestão financeira, mídias digitais e produção associada ao turismo. “Foram atividades essenciais para entender a precificação dos produtos e ampliar meu olhar para empreender no turismo”, conta.
Os empreendimentos de Edilma agora estão em fase de estruturação para atender à demanda da rota. E ela sonha com um futuro de desenvolvimento do turismo na região. “Nós temos muita coisa bonita para ser mostrada e muita história para ser contada”, frisa.