Histórias de Sucesso

Comunidade Empreendedora

Donos do próprio destino

Empreendedores de baixa renda injetam anualmente mais de R$ 30 bilhões na economia mineira


Lucas Alvarenga

Cerca de 3% dos domicílios de Minas Gerais estão em comunidades carentes, mais conhecidas como favelas, que concentram cerca de 598 mil moradores em 372 comunidades, segundo dados de 2020 do Data Favela. Em sua maioria de origem negra, com baixa renda e escolaridade, homens e mulheres que vivem nessas localidades desafiam diariamente o próprio destino ao tomarem para si a missão de empreender.

Atento a esse público, o Sebrae Minas atua para estimular a geração de renda e promover o desenvolvimento local de comunidades do estado desde 2003. Com o projeto Urbe, por exemplo, a instituição já atendeu a mais de 600 empreendedores de duas regiões do estado, onde o baixo dinamismo econômico ameaçava o futuro dos moradores. Com os programas BH Negócios e Vilas e Favelas, por sua vez, 14 mil moradores de comunidades mineiras tiveram suas vidas ressignificadas. Agora, uma nova estratégia foi criada para acelerar a formalização dos negócios nas periferias e estimular a competitividade dos pequenos negócios e o consumo. Afinal, sozinhos, os empreendedores de baixa renda injetam anualmente mais de R$ 30 bilhões na economia mineira.

Lançado neste ano, o programa Comunidade Empreendedora visa dar um novo impulso aos empreendedores formais e informais nos aglomerados. “Junto ao Instituto Locomotiva, o Sebrae promoveu uma pesquisa em 12 comunidades mineiras, além de um estudo qualitativo com 20 empreendedores, para diagnosticar o perfil desses empresários e de seus negócios. Com base nos resultados apurados, foi criado um programa dirigido a 15 comunidades, que prestará até 10 mil atendimentos para modelagem de negócios, elaboração de planos de marketing, controle de finanças e repasse de estratégias de vendas”, explica a analista do Sebrae Minas Patrícia Delgado.

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Saiba como os empreendedores das comunidades podem fazer para participar do Comunidade Empreendedora

A partir do segundo semestre deste ano, os participantes terão acesso a uma verdadeira imersão empreendedora por meio de ferramentas e metodologia exclusivas. A jornada terá início com o mapeamento dos negócios locais e a realização de um diagnóstico destinado a averiguar seu grau de maturidade, evoluindo para a criação de um plano de ação. Após essa fase, serão ofertadas capacitações individuais e coletivas, que qualificarão os participantes a monitorar e analisar seus resultados. “Os profissionais que atuarão no programa pertencem às comunidades em questão e serão treinados e capacitados pelo Sebrae Minas”, acrescenta Patrícia.

Os potenciais empreendedores em comunidades já foram mapeados

Os potenciais empreendedores já foram mapeados. Em algumas comunidades, as jornadas começaram com o auxílio de lideranças locais e instituições parceiras, como a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e as associações de moradores. Nas jornadas de capacitação foram promovidas atividades em grupos e individuais, organizadas com base em informações coletadas em diagnósticos. Especialistas do Sebrae atuaram como facilitadores nas comunidades, oferecendo orientação sobre os benefícios da gestão do negócio e da legalização, inclusive para facilitar a obtenção de crédito. “Levar informação por meio das capacitações é também uma forma de empoderar essas pessoas”, afirma a analista do Sebrae Minas Delaine Cordeiro, que acompanha o atendimento a empreendedores de comunidades em Belo Horizonte.

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Bonecas do Morro

Eliete (ao centro) mantém o projeto Ully desde 2017 no Morro das Pedras, na região Oeste da capital mineira
Crédito: Pedro Vilela

Moradora do quarto maior aglomerado da capital mineira, o Morro das Pedras, na região Oeste, Eliete Jesus dos Santos acredita que “não há sol a sós”. Por isso a pedagoga e pós-graduanda em Psicopedagogia compartilha o espaço de sua casa com outras mulheres igualmente interessadas em transformar a realidade de quem vive ali. Desde 2017, ela mantém o projeto Ully, que oferece cursos e oficinas de fabricação de salgados, bolos e pães caseiros, costura em crochê, aplicação de cílios e de tranças e massagem redutora, tudo isso para incentivar o empreendedorismo feminino.

Negra, casada e mãe de uma menina, Eliete simboliza a trajetória batalhadora das mulheres, que são maioria entre os cerca de 20 mil moradores do Morro das Pedras. Ainda na infância, a educadora aprendeu a fazer crochê com a mãe, que vendia as peças para familiares e vizinhos. Para ajudar na renda doméstica, ela também produzia refrescos, que eram comercializados em portas de escolas. “Minha mãe sempre me apoiou e, inspirada pelo seu exemplo, decidi empreender na minha comunidade, pois percebo o potencial gigantesco das pessoas que vivem aqui”, acredita.

Nem mesmo a pandemia fez o projeto arrefecer. Com empatia e amor ao próximo, Eliete e um grupo de voluntárias driblaram as adversidades para levar assistência a crianças e idosas do aglomerado. Além de manter as capacitações, a gestora do Ully enxergou na atividade uma nova oportunidade para as mulheres da periferia e suas famílias. “Recebi uma doação de bonecas e, no meio delas, havia duas Barbies. Mais de 50 meninas queriam as Barbies, mas não tínhamos como atender a todas. Então buscamos ajuda para criar nossas próprias bonecas”, recorda.

Após participar de uma palestra no Sebrae Minas, Eliete procurou a instituição para concretizar sua ideia. Com apoio da experiência-piloto do programa Comunidade Empreendedora, 20 das 190 mulheres atendidas pelo Ully passaram a ter acesso a oficinas personalizadas para planejamento, produção, divulgação e venda das bonecas. “Sabe quando um filho está perdido e é encontrado? É assim que me sinto em relação ao Sebrae”, testemunha. As primeiras ‘“Barbies do Morro” serão doadas para as crianças cadastradas, enquanto o excedente será negociado a preços acessíveis. Além de representativas, as bonecas terão roupas produzidas de acordo com os referenciais da comunidade.

Carmen Lúcia e outras moradoras do bairro Coqueiros retomam a autoestima com os trabalhos artesanais
Crédito: Juliana Flister

Tecendo oportunidades

Os bordados que conduziram Eliete ao empreendedorismo unem sua história à de Carmen Lúcia de Matos Barcelos e à de dezenas de outras artesãs. Moradora do bairro Coqueiros, na região Noroeste de Belo Horizonte, a agente comunitária de saúde aproveitava as visitas às famílias da região para observar cuidadosamente o artesanato produzido por mãos femininas. “Assim como aquelas artesãs, eu também fazia meus trabalhos de pintura em tecido, crochê e tricô, enquanto minha filha Aline pintava em telas. Então, resolvemos ajudá-las a aperfeiçoar seus ofícios e a comercializar os produtos feitos à mão, vendendo-os tanto na região quanto em feiras da cidade”, relata.

A rede de apoio – denominada Cuca Legal – ajudou 50 artesãs a faturar entre R$ 400 e R$ 600 por feira. “Além da cidadania, muitas recuperaram a autoestima e voltaram a se socializar após sofrerem abusos físicos e psicológicos ao longo da vida”, orgulha-se. Para amplificar a rede, Carmen Lúcia resolveu tecer uma nova oportunidade com as próprias mãos. Atenta ao potencial criativo do bairro, junto a outras quatro mulheres, ela criou uma feira de expositores no Centro de Vivência Agroecológica (Cevae) Coqueiros, que recebe cerca de 200 pessoas, sempre no segundo domingo do mês. “Em 2022, participei da Jornada Empreendedora, uma parceria entre a Prefeitura e o Sebrae Minas. O projeto ampliou minha visão de negócios e mostrou como eu poderia transformar o lugar onde moro desde 1976.”

"Com as atividades do Sebrae Minas, ampliei minha visão de negócios e vi como eu poderia transformar o lugar onde moro desde 1976."

Carmen Lúcia, empreendedora social

Carmen Lúcia e outras moradoras participaram de vários encontros organizados pelo Sebrae no Cevae Coqueiros. Nas oficinas, aprenderam a formalizar e digitalizar seus negócios, a qualificar os produtos vendidos na feira – que vão de crochês a mexidão mineiro – e a melhorar a produtividade. Agora, elas esperam aprender a confeccionar barracas para as expositoras. “Com o Sebrae, mudamos nossa mentalidade. Além de ganharmos mais ânimo e perspectiva, percebemos o quão importante é incentivar os negócios locais para fortalecer nossa rede de apoio”, revela.

De geração em geração

Quando a comunidade abraça os empreendedores da periferia, os negócios locais tendem a se perpetuar por gerações. É o caso do projeto Pão D’Alegria, que une avô, mãe e filha em torno da arte de transformar a panificação em pequenos gestos de afeto. Há mais de 30 anos, José Alcides – o patriarca da família Brito – precisou se reinventar após se ver desempregado. Com uma família de 11 filhos para cuidar, a alternativa que ele encontrou foi produzir pães e vendê-los na janela de sua casa, no Madre Gertrudes, bairro da comunidade Cabana do Pai Tomás, na região Oeste de Belo Horizonte.

No projeto Pão D’Alegria, Márcia une gerações em torno da arte de transformar a panificação em pequenos gestos de afeto
Crédito: Juliana Flister

O negócio logo se consolidou sob o nome de Padaria dos Anjos, que produzia de pães de batata a fefecuche, bolacha inspirada em uma receita alemã. Adolescente, Márcia da Silva Brito participou ativamente dessa fase, atendendo à crescente freguesia. Casada, trocou o negócio familiar pelo trabalho como pesquisadora de opinião até a chegada da filha Amanda. “Quando ela nasceu, me separei e pedi ao meu pai para voltar a fazer pães, mas com uma pegada mais saudável. Vendia os produtos de porta em porta, com bolsa de palha, vestido longo e chapéu, igual a uma camponesa”, lembra, aos risos.

Com a dedicação que herdou do pai e da mãe, Maria dos Anjos, Márcia se estabeleceu na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde vende quitutes há mais de duas décadas. Querida entre os alunos, tornou o produto da família Brito conhecido como Pão D’Alegria. “Apesar do envolvimento da família, tivemos extrema dificuldade para expandir o negócio por não oferecer os produtos no ambiente on-line. Foi quando Milton, nosso líder comunitário, nos apresentou as possibilidades de expansão que o Sebrae Minas poderia nos proporcionar”, diz.

Após estruturar um grupo de empreendedores no Cabana do Pai Tomás, Milton aproximou a família Brito dos consultores por meio da Jornada Empreendedora, realizada pelo Sebrae Minas em 2021. “Desde então, começamos nossa trajetória no programa Comunidade Empreendedora, recebendo consultorias, participando de palestras e congressos e aprendendo como vender pela internet.” Com a filha e o atual marido à frente do negócio, Márcia tem a esperança de que o Pão D’Alegria siga “sovando sonhos”, para que eles mantenham viva a missão empreendedora de José Alcides.