Sustentabilidade
Restaurar para colher
Metodologia utilizada pelo Sebrae Minas contribui para a recuperação de bacias hidrográficas, dando esperança aos irrigantes
Lucas Alvarenga
O termo “paracatu” em tupi-guarani significa “rio bom”, e o batismo de um dos afluentes do Rio São Francisco com esse nome expressa a gratidão dos moradores do principal município do Noroeste de Minas pela água que garante a fertilidade de centenas de lavouras. O rio abastece a cidade homônima, ajudando a manter não só o consumo humano de água, como também a maior área irrigada do país, produtora sobretudo de grãos. Localizada bem próximo à divisa com Goiás, a cidade possui 72.726 hectares aspergidos com pivôs centrais, contribuindo para a realização de duas ou mais safras. Mas nem sempre foi assim.
Em 2017, Paracatu vivenciou um dos maiores períodos de estiagem da história. Durante 14 dias, alguns bairros foram privados de água para o consumo diário. Felizmente, o cenário mudou, como conta o produtor rural José Donizete Pinton. “No ano passado, não faltou água para o consumo nem para a produção. Nós, produtores, conseguimos irrigar na hora certa, usando na medida em que tínhamos direito”, afirma. Para ele, conciliar a gestão dos recursos hídricos com o dia a dia dos usuários contribuiu para o melhor uso da água na região.
O agricultor refere-se a uma das ferramentas do Programa Restaurar, iniciativa do Sebrae Minas e da qual ele foi um dos beneficiados. O estudo mensura a disponibilidade hídrica das bacias hidrográficas para irrigação nas lavouras, contribuindo para o aumento de produtividade rural sem conflitos por água. Também busca analisar as fragilidades e potencialidades do território, visando a uma melhor utilização dos recursos naturais para potencializar economicamente a região. Uma das ferramentas utilizadas é o Zoneamento Ambiental e Produtivo (ZAP), metodologia elaborada pelas secretarias estaduais de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Seapa) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) e que vem sendo utilizada pelo Sebrae Minas para a avaliação de sub-bacias hidrográficas.
Em média, um estudo de ZAP custa entre R$ 150 mil a R$ 350 mil. Os recursos advêm do advêm do esforço financeiro do Sebrae Minas e dos produtores
As informações do ZAP ajudam a compor um planejamento estratégico do território, levando o desenvolvimento sustentável para a pauta das lideranças locais e estimulando a implantação de projetos que alavanquem a região. “O objetivo do programa é recuperar as áreas degradadas, principalmente pelo mau uso, e conservar o capital natural, reduzindo conflitos, incrementando a economia e contribuindo para o atendimento aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), dentre eles o mais importante: propiciar a redução da fome”, explica a analista do Sebrae Minas Fabiana Vilela. O Restaurar, assim, apoia o poder público na integração dos espaços rurais junto aos planos diretores municipais, promovendo uma visão ampla sobre o desenvolvimento, a preservação e o uso e ocupação desses espaços.
Primeiros resultados
O cenário de disputa por água se repetia na sub-bacia do Ribeirão Santa Isabel, onde José Donizete, produtor de grãos como soja, milho, sorgo e feijão, manteve seus pivôs desligados durante a seca que assolou Paracatu há cinco anos. Agora, com os resultados iniciais do Restaurar, ele também já colhe os primeiros benefícios da iniciativa. “Tivemos um incremento de 15% na produção no ano passado, depois da construção das barraginhas apontadas pelo ZAP e da melhora das chuvas. Além disso, dá para perceber o ribeirão com mais volume e sem a sujeira de antes”, relata.
Com base no diagnóstico da sub-bacia do Santa Isabel foram construídas 810 barraginhas para a captação da água da chuva e 100 quilômetros de curvas de nível para drenagem e infiltração da água – todas as ações orientadas pela Associação dos Produtores Rurais e Irrigantes do Noroeste de Minas Gerais (Irriganor). Os recursos foram obtidos junto à Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais (Seapa). A Prefeitura de Paracatu apoiou a iniciativa, por meio das secretarias municipais de Agricultura e Meio Ambiente.
Membro da Associação dos Irrigantes do Santa Isabel, o produtor José Humberto Santiago Vilela produz abóbora e grãos. Ele se recorda do dia em que os irrigantes procuraram o Sebrae Minas para ajudá-los a minimizar a escassez hídrica. “A proposta dos técnicos do Sebrae foi a realização de um estudo para detectar os gargalos da região do Santa Isabel. Com o diagnóstico em mãos, eles apontaram a estocagem de água como solução. Em 2017, como não tinha água nem para o abastecimento da cidade, deixei de irrigar mil hectares, um prejuízo de 15 mil sacas de feijão.”
De acordo com o ZAP, serão necessários quatro barramentos na região do Santa Isabel. A primeira estrutura já está em construção, com recursos da Fundação Peixe Vivo e o apoio da prefeitura e dos produtores. Até o momento, foram realizadas ações de delimitação e desapropriação da área que será inundada. As obras para a construção de 90 quilômetros de estradas ecológicas também foram iniciadas. Com recursos de R$ 5,4 milhões, a medida – financiada pelo Comitê da Bacia Hidrográfica (CBH) do Rio São Francisco – promoverá a reservação de água e contribuirá para evitar o assoreamento do rio.
TECNOLOGIA COMO ALIADA
O ZAP ganhou novos contornos com o uso da telemetria na sub-bacia do Ribeirão Entre-Ribeiros, em Paracatu. A tecnologia funciona com base em um equipamento instalado no hidrômetro e que detecta a retirada de água do rio tão logo a bomba de captação do pivô central é ligada. Com isso, pretende-se que os conflitos nos condomínios de quase 16,8 mil hectares – 7.420 deles irrigados – cessem de vez. O próximo passo da ação envolve o desenvolvimento de um software de monitoramento para a captação de água, a ser instalado em uma sala de situação, que servirá de modelo para implementação da telemetria em todo o estado.
Governança fortalecida
O gerente da Regional Noroeste e Alto Paranaíba do Sebrae Minas, Marcos Geraldo Alves da Silva, acredita que o Restaurar tem sido fundamental para estabelecer a governança na região. “A demanda por mudanças na relação com a água surgiu dos produtores. A Irriganor foi parceira estratégica para mobilizar a população, escalar o ZAP e apontar as soluções hídricas. Os irrigantes entenderam que não se gerencia o que não se mede. Então, em posse dos estudos, eles se organizam e correm atrás dos investimentos”, ressalta.
Em média, um estudo de ZAP custa entre R$ 150 mil e R$ 350 mil. Os recursos advêm do esforço financeiro do Sebrae Minas e dos produtores. Até o início do ano, seis projetos foram finalizados nas regiões Noroeste e Alto Paranaíba, com 1 milhão de hectares atendidos e quase R$ 1 milhão investidos em diagnóstico hídrico. “Esse diálogo com o Sebrae, a Faemg e o governo de Minas tem se mostrado necessário para desenvolvermos a governança entre os irrigantes e evidenciarmos que a água é um bem comum”, alerta a presidente da Irriganor, Rowena Petroll.
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Em áudio
Disponibilidade hídrica
Ouça a entrevista da analista do Sebrae Minas Fabiana Vilela sobre o Programa Restaurar.