Histórias de Sucesso

Cafeicultura

Diferenciados por natureza

Produtores de café da Região Vulcânica colhem resultados da conquista de marca coletiva


Ana Cláudia Vieira

Quando os primeiros agricultores e produtores de café se instalaram na região de Poços de Caldas, por volta de 1890, não imaginavam que o local abrigara a caldeira de um vulcão, há pelo menos 80 milhões de anos. Estudos indicam se tratar de um dos maiores complexos desse tipo no mundo, com características de solo únicas. “Não existe, no Brasil, outra caldeira com afloramento de rochas. Só temos café nesse local, a mil metros do nível do mar, porque essa formação elevou a região”, observa Leandro Carlos Paiva, professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS).

Ao todo, a região de solo vulcânico abrange 12 municípios, oito no Sul de Minas Gerais e quatro no Nordeste de São Paulo. Mais de 130 anos após o início do cultivo, os produtores – muitos deles herdeiros de uma tradição familiar – estão em processo de obtenção da Indicação Geográfica (IG) para a chamada “Região Vulcânica”, que já constitui uma marca coletiva, registrada junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi) pela Associação de Produtores do Café da Região Vulcânica, em 2021.

Região de Poços de Caldas abrigou a caldeira de um vulcão, há 80 milhões de anos

O objetivo é que os cafés da região sejam reconhecidos por suas características específicas. “Estamos em uma região elevada, com boa incidência solar durante o dia e temperatura amena à noite. O modo de produção é familiar, sem uso de máquinas. São pontos que conferem um modo de fazer e sabores únicos aos cafés da Região Vulcânica”, explica o produtor e presidente da Associação Marco Antônio Lobo Sanches. Como resultado, os cafés têm sabores únicos.

“Ter uma marca coletiva e buscar uma IG compõem uma estratégia interessante para promover a região com base em seus diferenciais e, assim, ter uma abertura mais interessante para o mercado consumidor de cafés de origem”, explica Rogério Galuppo, analista do Sebrae Minas.

Marca reconhecida

A Associação de Produtores do Café da Região Vulcânica atua para ampliar o trabalho iniciado em 2011. “Uma palestra do IFSULDEMINAS sobre cafés especiais, citando a IG da Região do Cerrado Mineiro, chamou nossa atenção para o potencial que tínhamos aqui”, lembra Marco Sanches. Os produtores, então, buscaram o apoio de instituições diversas, como o Instituto Federal, a Emater e a Prefeitura de Poços de Caldas, para a obtenção do registro da marca coletiva Cafés da Região Vulcânica. O Sebrae Minas começou a atuar em 2016 na estruturação de estratégias de mercado, governança e qualidade.

Com a conquista da marca coletiva, em 2021, o grupo tem se empenhado em favor da obtenção da IG. “Nosso objetivo é ter mais associados e, assim, contar com um volume maior de café apto a usar a marca. Temos buscado também outros parceiros, além de produtores”, detalha o diretor executivo da Associação Ulisses de Oliveira. Outras frentes de trabalho são o fortalecimento da marca por meio da participação em feiras e eventos de degustação; o reconhecimento e a abertura para o mercado internacional; e a qualificação para pleitear o registro de IG. Seis associações, duas cooperativas e cafeterias estão envolvidas no trabalho. O número de produtores participantes saltou de 120 para 460, o que deverá alavancar a produção de cafés de origem em 2022. “Há um grande engajamento. Temos uma meta de crescimento exponencial, queremos chegar a mil produtores no final do ano”, diz Ulisses.

Ulisses de Oliveira relata o engajamento dos produtores nas atividades da Região Vulcânica

Já está mais do que provado que os cafés são diferenciados, mas precisamos evidenciar que o que produzimos aqui é diferente

Marco Antônio Sanches
Presidente da Associação de Produtores do Café da Região Vulcânica

Rodadas de negócios já foram realizadas para estreitar o contato entre produtores e compradores. “A marca desperta o interesse e a curiosidade de consumidores e empresários. Já temos cafés comercializados especialmente por serem da Região Vulcânica”, comemora Ivan Figueiredo, analista do Sebrae Minas. Para ele, o reconhecimento obtido pela região tem intensificado a união dos produtores. “O projeto estimula a agricultura familiar e a permanência do homem no campo, preservando esse modo de fazer tão especial.”

Representante dessa tradição, Marco Antônio Sanches atesta o reconhecimento do mercado. “No Dia Internacional da Mulher, quando fizemos um evento com produtoras da região, a ideia atraiu naturalmente muitas mulheres de destaque. Essa participação não se consegue de graça. É o tempo mostrando o que está sendo feito. Não vai ser rápido, mas já está acontecendo”, comemora.

IG a caminho

Em tese, os cafés da Região Vulcânica já atendem aos principais critérios exigidos pelo Caderno de Especificações Técnicas da região para que o território obtenha um registro de IG. Mas, antes de fazer a solicitação oficial e para garantir o resultado esperado, a Associação está recebendo orientações de uma consultoria que tem possibilitado aperfeiçoar os processos necessários à conquista. “Serão realizadas oficinas, atualização dos estatutos e demonstração da notoriedade da Região Vulcânica. Já está mais do que provado que os cafés são diferenciados, mas precisamos evidenciar que o que produzimos aqui é exclusivo”, diz Marco.

Para isso, foi constituído um Conselho Regulador, composto por três representantes dos produtores, para garantir o controle da produção, a exemplo da rastreabilidade dos cafés, que permite aos usuários saber exatamente de onde vem aquele produto e em quais condições foi produzido. Como resultado do trabalho, esse processo está migrando de um sistema manual para um automático, por meio de um aplicativo e de um QR Code.

O sistema de controle garante também as características específicas dos cafés, já que, para usar o selo de café da Região Vulcânica, é necessário não apenas ser associado, mas atender aos critérios estabelecidos pelo Caderno de Especificações Técnicas. Além da conferência das informações fornecidas pelo produtor sobre a propriedade e a forma de produção, são realizados testes em cada lote. Para receber o selo, o produtor deve atingir pelo menos 80 pontos.

Além do café

Para Marco Sanches, o trabalho tem potencial de alavancar o comércio de toda a região. “A ideia é estender a utilização do selo Região Vulcânica a todos os produtos regionais. Para isso, no entanto, os demais produtores precisam fazer o mesmo movimento que fizemos”, orienta Marco.

CARACTERÍSTICAS DOS CAFÉS DA REGIÃO VULCÂNICA

Sabor: frutas amarelas, caramelo e chocolate

Aroma: frutas amarelas e chocolate

Corpo: encorpado, com textura de sedosa a cremosa

Acidez: cítrica, brilhante e intensa

Finalização: de duração média e doce

O IFSULMINAS, que participou ativamente da construção da marca, está conduzindo um estudo mercadológico para identificar outras aptidões da região, além do café. O microclima existente nessa caldeira elevada beneficia outras culturas, como a de uvas para a produção de vinhos, em Andradas, e a de olivas, em São Sebastião da Grama, por exemplo. A ideia é trabalhar essas subdivisões, incluindo também as águas, as frutas e o artesanato.

“O trabalho é grande e está só começando. Estamos levantando a influência dessas culturas, seu potencial de comercialização, como o selo pode beneficiá-las e também quais problemas vamos encontrar para colocar os produtos no mercado. Com as informações em mãos, poderemos avaliar a possibilidade de trabalhar a marca Região Vulcânica para as diferentes áreas produtivas”, conclui o presidente da Associação.

CONFIRA

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