Histórias de Sucesso

Entrevista

Café rumo ao Oriente

O professor sênior de agronegócio Marcos Jank avalia que a Ásia é o principal destino futuro do grão brasileiro


Cristina Mota

“Não tenho a menor dúvida de que a Ásia será para o café o que já é para a maior parte dos produtos exportados pelo Brasil”. Professor sênior de agronegócio do INSPER-SP, Marcos Jank foi enfático na sua análise sobre o futuro do café brasileiro. O especialista em sistemas agroalimentares globais, comércio internacional, sustentabilidade, estratégia empresarial e política pública foi um dos palestrantes da Semana Internacional do Café, realizada em novembro de 2023, quando concedeu uma entrevista à Revista Histórias de Sucesso. A partir da sua trajetória de 35 anos e experiências profissionais em torno da agropecuária e do agronegócio, ele falou sobre o crescimento do mercado de café e, principalmente, os pontos de atenção para a diferenciação do produto no exterior.

Crédito: Pedro Vilela

Como avalia as oportunidades para o café brasileiro no exterior?
O Brasil continua líder de produção e de exportação mundial de café, como sempre foi. E o mercado continua crescendo, principalmente nos países emergentes. Eu destaco o crescimento da demanda da Ásia: não tenho a menor dúvida de que a Ásia será para o café o que já é para a maior parte dos produtos exportados pelo Brasil, como soja, milho, algodão, açúcar, celulose, carnes bovina, suína e de aves. A Ásia compra 66% do total de exportações do agro brasileiro. A Europa, que já respondeu por praticamente metade da exportação do país, atualmente não registra 16%. Então, houve uma mudança da geografia-destino, como eu falo, principalmente dos anos 2000 para cá.

Ou seja, o Brasil é exportador de commodities, basicamente para o continente asiático. No café, isso é um pouco diferente. Cerca de 70% do que o Brasil exporta vai para a Europa e os Estados Unidos. São os mercados tradicionais de café. Isso porque a região ocidental tem a cultura de tomar café, a oriental tem a do chá. Então, o café está entrando no Oriente. Já está mais forte no Japão, na Coreia. Dessa forma, essa é uma grande oportunidade que temos quanto à demanda de regiões consumidoras. O Brasil ainda é o país mais forte da commodity de café. Mesmo o Vietnã, que produz café e poderia se aproveitar da proximidade, tem limitações geográficas e de recursos para ampliar a produção. A Colômbia já tem a marca país consolidada e o Vietnã está construindo a sua, mas não têm o potencial do Brasil como o maior player nesse setor.

Sobre o trabalho com as origens produtoras, qual a sua análise?
Eu gosto de falar o seguinte: a commodity é o padrão, status que todo produto alcança em algum momento, de ampla concorrência e de pequenas barreiras à sua entrada. Várias indústrias não querem que seus produtos se tornem commodities, querem a diferenciação. O Brasil é um país de commodities agropecuárias de grande sucesso, mas poderia ter essa diferenciação. E como fazer isso?

Tem que agregar padrão, marketing, governança. Isso é que discutimos na palestra da SIC, está faltando governança nos territórios, está faltando padrão. São questões inclusive interdependentes; se não há padrão, não há governança que funcione. A Indicação Geográfica não é só para dizer “esta é a geografia”, mas para dizer “esta é a geografia que tem este padrão mínimo”. O marketing vai junto, destacando o produto, as pessoas, o ambiente. Então, acho que esse trabalho pode melhorar. Não é a nossa tradição fazer esse processo, mas foi acontecendo naturalmente.

O Cerrado Mineiro conseguiu para o café, o Sul de Minas também. Há a Região da Canastra, com o queijo. E estão sendo feitas DO e IDs para azeites, vinhos, cachaça. O mercado interno aceita desafios. Podem surgir dez DOs e, depois, sobreviverem três. Se for algo malfeito, vai sumir naturalmente. Por exemplo, uma pessoa compra um queijo de uma região, e ele tem um sabor.

Daí a três meses, o produto tem outro sabor, o mesmo queijo. Automaticamente, o consumidor deixa de adquirir. Então, essas Denominações de Origem, Indicações Geográficas vão se espalhar naturalmente, mas as melhores vão ganhar. E são aquelas que fizerem não apenas o trabalho do padrão, mas o da comunicação, do marketing, da fidelização.

Quais os principais desafios para esse trabalho?
Ir para o mercado internacional é um grande passo. O investimento é muito maior, o consumidor não te conhece. Aqui, falamos de Minas Gerais, Canastra, as pessoas já conhecem. Chegar à Ásia e falar sobre isso, não tem qualquer significado. Então, é uma construção. Vi as experiências do Vietnã e da Colômbia nesse sentido, mostrando os locais da produção, as pessoas envolvidas, os vários atributos. Vamos caminhando nessa direção, poderíamos ir mais rápido se a governança fosse melhor, se o padrão fosse rígido. O governo pode eventualmente participar do processo, da legislação, mas quem tem que conduzir é o setor privado, que não pode fazer isso “disperso”. Tem de haver uma governança, com pessoas unidas em um território, com credibilidade.

Quais os aprendizados podemos ter ao avaliar as experiências que já existem?
O café é um produto historicamente relevante, principalmente na exportação. Temos um número alto do produto indo para o exterior, mas um percentual baixo de cafés especiais nessa composição. E, dessa parcela, quantos chegaram ao exterior por meio de DOs brasileiras? Pouquíssimos. Chegar lá fora por meio da DO é difícil, porque a região é heterogênea, vai ter o café bom, o ruim, vai ter o pequeno produtor, o grande, o esforço de marketing, e essas coisas demoram para andar. A gente ainda tem uma boa quilometragem para percorrer, mas a notícia boa é que o café é o produto brasileiro com melhor condição de seguir por esse caminho.

Estamos tendo acesso e debatendo sobre as experiências do Vietnã e da Colômbia. Se conseguimos produzir um café verde melhor do que o deles, por que não conseguimos ter um produto de exportação como o foi com o colombiano Juan Valdez, por exemplo, mas dentro das características brasileiras?

Há caso de sucesso que pode inspirar?
O Brasil tem experiências de diferenciação de marca no exterior, e o frango é um exemplo. O país desenvolveu um frango pequeno para atender à demanda de consumo dos países árabes, onde as pessoas não comem uma ave inteira. O Brasil se tornou líder mundial nesse produto e, na Arábia Saudita, as marcas mais fortes são as brasileiras. Você tem ali um nicho que foi construído pela indústria dentro da commodity.

Eu acho que o café pode fazer é tanto diferenciar o produto dentro da commodity, destacar o café “diferente”, como já vem fazendo, como também construir as DOs, que devem se internacionalizar. Fazer parceiras internacionais, fazer marketing, ter padrão. E ser rígido. Na França, se eu fizer um produto melhor do que a champanhe fora da região da Champagne não posso dar esse nome. Vou chamar e “vinho espumante”, porque a denominação é específica do território e reconhecida em todo o mundo. Quando vamos alcançar esse status? Temos um longo caminho.

Qual o potencial de Minas Gerais, não considerando apenas o café?
Minas Gerais é um estado com diferentes regiões, cada uma com especificidades econômicas, geográficas, culturais, biológicas. Por esses fatores e pela sua localização, central, o estado tem condições de fazer o trabalho de valorização das regiões com muita competência. E isso já está sendo feito, as experiências de queijos, cachaças, todas estão relacionadas com territórios. Só que falta ainda esse trabalho especializado, da governança, do marketing, da padronização. A cachaça, desde que eu estava na faculdade, já se sabia que a bebida de Salinas era referência. Mas, por muito tempo, a cachaça de Salinas vinha em uma garrafa de cerveja escura. O boca a boca fazia a propaganda. Quando vejo o cenário hoje, consigo perceber o avanço que foi feito.

Muito tem se falado sobre os desafios relacionados à adoção das estratégias ESG no agro. É um movimento preocupante para o café?
ESG é um conjunto de métricas e indicadores pra um conceito antigo, de desenvolvimento sustentável, juntando o econômico, o ambiental e o social. E ele faz parte da equação de resultados de uma empresa. Antes, a empresa tinha de gerar lucro para seus acionistas. Agora, tem de prestar contas nessas outras áreas. Considero que o ESG ainda é um processo em evolução, tem muito que é feito por fazer, mas sem ser de fato algo para transformar. O interessante disso que é algo que vem do mercado, não é legislação do governo, vem de consumidores. Essa pressão dentro das cadeias produtivas vai gerar as mudanças, que estão ocorrendo em todos os setores do agro. Começando pelas questões de desmatamento, passando pela rastreabilidade dos produtos, pelo balanço das emissões, pelo cuidado com a comunidade no entorno. E de governança, que é que amarra tudo, que faz com que todos os elementos do ESG aconteçam ao mesmo tempo.

Vejo que o café é um produto perfeito para passar por esse processo, para ter uma estratégia ESG. Não está exposto a desmatamento ilegal, as áreas cafeeiras já são consolidadas. Você consegue fazer o balanço das emissões sem grande dificuldade e consegue reduzi-las. É possível usar bioinsumos, trabalhar as comunidades no entorno da cafeicultura, inclusive é obrigado a fazer isso nas regiões de DO. Então, há muitos elementos para ter uma estratégia ESG mais robusta no café do que em outro setor, e isso pode gerar valor, sim, contribui para a diferenciação que é preciso alcançar.