Histórias de Sucesso

Cafeicultura

Referência em agricultura regenerativa

Mais dez produtores de café da Região do Cerrado Mineiro conquistam certificação internacional, totalizando 41 fazendas com a chancela


César Macedo

A vida de Marcelo Lima Verde mudou da água para o vinho em 2012. No caso dele, o mais apropriado seria dizer que foi da “água para o café”, pois foi naquele ano que deixou para trás uma sólida carreira na área de Engenharia Eletrônica, além de outros empreendimentos, para assumir a fazenda da família em Patos de Minas, sua terra natal, na região do Alto Paranaíba. “Na época, não imaginei que iria gostar tanto de café”, afirmou o produtor durante entrevista concedida à Histórias de Sucesso de Copenhage, capital da Dinamarca, ondeparticipou da edição 2024 do World of Coffee, o maior evento de cafeicultura da Europa, entre 27 e 29 de junho. Para os exigentes paladares do Velho Continente, ele apresentou os grãos da Fazenda Kaizen, onde produz as variedades Catuaí, Paraíso e Arara.

Marcelo também levou na mala a recente certificação da Regenagri, empresa que realiza auditoria com base em parâmetros da Control Union, da Inglaterra, especializada em agricultura regenerativa. A Kaizen foi uma das dez fazendas da Região do Cerrado Mineiro chanceladas com o selo em 2024 – outras 12 já haviam sido certificadas no ano anterior. Todas elas são atendidas pelo Programa Educampo, do Sebrae Minas, em parceria com a Cooperativa dos Cafeicultores do Cerrado (Expocacer), que reúne 720 associados em diversas cidades da Região do Cerrado Mineiro.

O produtor Marcelo Lima Verde está à frente da Fazenda Kaizen, em Patos de Minas
Crédito: Arquivo Expocacer

“Eu procurei a consultoria do Educampo desde o início, há 14 anos, porque identifiquei que precisaria de auxílio em gestão”, explica Marcelo. Ele relata que a plataforma o ajudou a analisar melhor o negócio e a planificar custos de produção, até chegar a uma taxa de retorno de investimento ideal. “Participar do Educampo envolve um custo muito baixo para o enorme resultado que traz. Além do benefício econômico, conto com orientação de engenheiros agrônomos muito bem-formados e atualizados, que fazem toda a diferença.”

O apoio do Educampo somou-se ao conceito agroecológico regenerativo que o produtor implementou desde que assumiu as rédeas do negócio. “Batizamos a fazenda com o nome Kaizen, de origem japonesa, que significa ‘melhoria contínua’. Então, sempre tivemos em mente aliar produtividade, tecnologia e sustentabilidade em prol da preservação do meio ambiente. No dia a dia, diminuímos a quantidade de defensivos químicos fazendo uso de técnicas regenerativas do solo, como compostagem biológica com fungos e bactérias orgânicas.” As práticas sustentáveis, segundo ele, têm sido fundamentais para incrementar a produtividade e atingir novos mercados. Atualmente, dos 96 hectares da Fazenda Kaizen, 80 são totalmente dedicados à lavoura de café, com terreno 100% irrigado. A produção gira em torno de 4 mil a 4,5 mil sacas anuais e, além do mercado interno, os grãos alcançam consumidores nos Estados Unidos, Canadá e vários países da Europa.

Além do selo Regenagri, a Kaizen possui a certificação Rainforest Allliance, 4C Carbon on Track. Para Marcelo, o fornecedor regenerativo tem um bom mercado dentro e fora do país, porque a crise ambiental é uma preocupação no mundo inteiro. Por isso, ele afirma ser fundamental diminuir o uso de fertilizantes químicos para não agravar fenômenos como a chuva ácida e o efeito estufa, que contribuem para o aquecimento global.

Ações multidisciplinares
A Região do Cerrado Mineiro é referência em agricultura cafeeira. Formada por 55 municípios espalhados pelas regiões do Triângulo Mineiro, Alto Paranaíba e Noroeste, o território tem, desde 2013, a Denominação de Origem (DO), que abrange 102 mil hectares, onde são produzidos grãos de alta qualidade a partir da combinação de clima, relevo, altitude e tradição de cultivo. Desse total, cerca de 30 mil hectares possuem o certificado de cafeicultura regenerativa, segundo dados da Regenagri.

De acordo com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, a safra de café em 2023 contabilizou um volume total de Arábica e Conilon (os principais tipos produzidos no Brasil) de 55,1 milhões de sacas, registrando um crescimento de 8,2% em relação ao ano anterior. Minas Gerais segue como o maior estado produtor, responsável por 14,4% do total nacional, seguido por Espírito Santo, São Paulo e Bahia. A produção do Cerrado Mineiro corresponde a 21,2% do volume mineiro.

O Sebrae Minas apoiou o território em ações multidisciplinares que ajudaram a destacar a Região do Cerrado Mineiro. Somente o Educampo atende, atualmente, 19 grupos que reúnem 285 produtores. Especificamente na área de sustentabilidade, as ações tiveram início em 2022, em 12 fazendas, numa parceria com a Expocacer. Hoje, a cooperativa conta com 41 fazendas certificadas, totalizando uma área de 8.855 hectares de café, e mais de 60 fazendas em processo de certificação.

“Todas as propriedades conseguiram pontuação máxima para a certificação comprovando que houve um aumento de substâncias orgânicas no solo, além de melhoria da biodiversidade, reequilíbrio das funções naturais do ecossistema, sequestro de dióxido de carbono atmosférico e melhora dos ciclos de água, carbono e nutrientes”, explica o gerente da Regional Noroeste e Alto Paranaíba do Sebrae Minas, Marcos Geraldo Alves da Silva.

Por meio de estratégias naturais de proteção das culturas e manutenção da saúde do solo, o programa qualificou as fazendas para obterem certificações em agricultura regenerativa, o que abre novas perspectivas de mercado. Como resultado prático, em outubro de 2023 a marca italiana Illycaffè lançou o Arabica Selection Brasile Cerrado Mineiro, primeiro café de agricultura regenerativa do Brasil. “É um motivo de orgulho o Sebrae Minas fazer parte dessa conquista, que vem sendo construída com muito trabalho, preparação e qualificação dos produtores nos processos de certificação e inovação. A agricultura regenerativa é essencial para mitigar os efeitos climáticos e a pressão por alimentos produzidos de forma mais sustentável”, completa Marcos.

Benchmarking
Atual presidente da Expocacer e primeiro produtor no mundo a receber a certificação Regenagri, Fernando Beloni diz que o objetivo da cooperativa é levar o conceito de sustentabilidade a todos os associados. “A Expocacer já é uma referência na área de agricultura regenerativa e, cada vez mais, queremos implementar técnicas de sustentabilidade, como a compostagem para tratar resíduos e o uso de plantas de cobertura para proteção do solo e manejo de defensivos biológicos no controle de pragas.”

À frente da Agro Beloni – que, além de café, trabalha com as culturas de batata, cebola, laranja, milho, trigo, soja e sorgo –, Fernando é um entusiasta do Educampo. “Para mim, os agrônomos que atuam no programa são os melhores da nossa região. A equipe é capacitada tecnicamente para dar apoio ao produtor tanto no campo quanto na parte gerencial, ajudando a levantar números e fazer uma análise estratégica de benchmarking para que o produtor se situe melhor em relação à concorrência.”

A propriedade de Fernando Beloni, em Patrocínio, foi a primeira no mundo a receber a certificação Regenagri
Crédito: Arquivo Expocacer

Novo status
Em 29 de abril, o Governo de Minas reconheceu, oficialmente, a Região do Cerrado Mineiro como Arranjo Produtivo Local (APL) com vocação para a cafeicultura. O objetivo é fortalecer a cadeia produtiva do café, promovendo ações integradas a partir da interação entre poder público, associações empresariais, instituições de crédito, ensino e pesquisa.

Com validade de três anos, que pode ser renovada, o reconhecimento coloca o Cerrado Mineiro ao lado do Sudoeste de Minas e Campo das Vertentes como polos de produção cafeeira de destaque no estado. Para o presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae Minas, Marcelo de Souza e Silva, o novo status tem potencial de atrair investimentos e garantir mais desenvolvimento socioeconômico regional.

Região de Campos Altos valorizada

Região de Campos Altos
Crédito: Arquivo Sebrae Minas

Uma nova estratégia de origem produtora de café foi desenvolvida no Alto Paranaíba, em outubro de 2023. Trata--se da Região de Campos Altos, que engloba 9.145 hectares de área plantada, responsável por uma produção anual de 350 mil sacas.

Fruto de iniciativa conjunta da Associação dos Cafeicultores de Campos Altos (Acca) e Sebrae Minas, com apoio da Cooperativa Agropecuária de Campos Altos (Capeca), a ação rendeu frutos mais rapidamente do que se imaginava. Ainda em novembro de 2023, ou seja, apenas um mês após seu lançamento, a marca Região de Campos Altos estava estampada em um contêiner com 320 sacas de 60 kg cada uma, exportadas para a Espanha.

Quem articulou a venda foi o produtor Bruno Antônio Henrique Franco, gerente comercial e coordenador do Departamento de Café da Capeca. “Anova marca território representa um avanço para a região. Temos consciência de que nosso produto é bom, e agora ele está mais forte e protegido com o reconhecimento do território. Eu me encontrei com o comprador durante a feira de café da Dinamarca, e ele me deu um feedback positivo. Inclusive, já encomendou mais”, relata.

Para Alessandro Henrique de Souza, analista do Sebrae Minas, a estratégia de região produtora de café cria um diferencial competitivo e agrega valor ao produto, facilitando sua exposição nacional e internacionalmente. “Cada vez mais, os clientes estão interessados em como e onde são cultivados os cafés que consomem. Por isso, a construção da marca território torna as origens produtoras do estado mais conectadas às exigências e necessidades do mercado, por meio de uma produção sustentável e representativa”, diz.