Histórias de Sucesso

Entrevista

Tudo muda o tempo todo

Guga Schifino fala sobre o cenário atual de consumo, inovação e tecnologia e elenca pontos de atenção para os pequenos negócios


Cristina Mota

Crédito: Arquivo pessoal

O mundo atual está passando por várias transformações. Avanços tecnológicos, inovações e valorização de atributos como transparência, impacto social e propósito têm alterado o comportamento de consumo e levado a uma nova forma de conduzir os negócios. É preciso que os empreendedores estejam cada vez mais antenados com as tendências e entendam como elas podem ser adaptadas ao seu dia a dia para, assim, garantir o bom desempenho dos negócios.

Para falar um pouco sobre o tema, a Revista Histórias de Sucesso conversou com Guga Schifino, especialista em comportamento e consumo na era digital e CEO da DX.CO, empresa especializada em Transformação Digital. Confira!

Por que as inovações têm ocorrido em um ritmo cada vez mais acelerado?

A aceleração das inovações teve uma aliada, que foi a mudança no comportamento do consumo. E há mais um personagem: a geração Z, aqueles com idades entre 10 e 24 anos. O ritmo das necessidades e a maneira como essa geração percebe o mundo são completamente diferentes das anteriores. Então temos um universo muito propício para todas as mudanças, e é por isso que a tecnologia tem evoluído ainda mais rápido, levando a inovações cada vez mais ágeis. Lá na década de 1970, imaginava-se que atualmente teríamos processadores com o dobro da velocidade a cada ano. Mas a verdade é que temos isso na metade desse tempo, gerando muitas possibilidades, algo que o mundo nunca tinha experimentado. Ou seja, há uma soma. Há uma geração com comportamento de consumo muito diferente, mais preocupada com o fim do mundo do que com o fim do mês, e a evolução exponencial da tecnologia, a infraestrutura para atender ao desejo dos consumidores.

Como as tendências de mercado se conectam com as inovações e qual o papel das tecnologias nesse processo?

O cliente hoje em dia tem uma experiência com a Netflix, na qual ele consegue assistir ao que deseja, quando e onde quiser. Ele quer essa experiência em outras áreas, quase como um “buffet” tecnológico. Alguns negócios já conseguiram resolver essa demanda, com a inovação e a tecnologia acelerando-se mutuamente. E, na medida em que um grupo econômico consegue resolver as necessidades do cliente de um jeito mais simples, praticamente obriga que os outros setores também o façam. E é dessa maneira que o ambiente mais tecnológico acaba gerando mais inovação.

As estratégias e as inovações das empresas dependem cada vez mais das tendências de consumo, de mercado e de novos modelos de negócios?

As necessidades das pessoas e o seu modo de pensar levam a um comportamento de consumo que, por sua vez, pode gerar novos negócios. Temos um excelente exemplo atual: as pessoas perceberam que não faz mais sentido ter a propriedade das coisas, e sim ter a posse das coisas. É muito mais inteligente fazer uma assinatura de produtos para casa do que ter os produtos em casa. Vamos imaginar uma cama e um colchão. O bebê precisa de um berço e depois de uma cama maior, mas ainda em tamanho adequado para a criança, com o colchão certo para cada etapa. E assim sucessivamente, à medida que a pessoa cresce e o tempo passa. Vamos pensar que, em 80 anos, podemos precisar ter umas dez camas, que serão compradas e trocadas de tempos em tempos, sendo dispensadas no lixo, trocadas, doadas etc. Por que não criar, então, um serviço de leasing de cama e colchão? Outro exemplo são as roupas de bebês. É muito comum sequer usar algumas peças, porque eles crescem rápido. Não seria mais inteligente se eu tivesse um serviço que, no prazo de seis meses, por exemplo, possibilitasse a devolução das roupas não usadas para a empresa e ela repassasse para outra mãe, que, por sua vez, faria esse mesmo processo, criando uma cadeia?

Ou seja, são ideias que podem ser feitas com as camas, com as roupas dos bebês, com televisores e uma infinidade de produtos. O que não é útil para mim pode ser muito útil para o outro, e todos podemos ter as coisas e fazer muito mais com muito menos. E o que dá essa possibilidade? A tecnologia. Os aplicativos, os marketplaces e as redes sociais permitem que os produtos cheguem facilmente a quem precisa deles. Se algo que você precisa não está disponível onde você mora, pela internet você consegue encontrar e fazer com que ele chegue até você.

Quais tendências afetarão os pequenos negócios no curto prazo?

De forma geral, tem-se falado muito de inovação. Mas há também um movimento de back to basic, que significa fazer bem feito, de forma simples, como ocorre desde que o mundo é mundo. Ou seja, é a pessoa fazer um bom atendimento na sua empresa, acolher o cliente, conversar. Parece bastante óbvio, mas é algo que merece atenção, e as pessoas têm demandado isso. Mas há dois temas que considero essenciais para o momento. Um é a inteligência artificial, que tem um impacto estrondoso. E há o reúso: a atual geração quer o fast-fashion, quer estar em uma foto com uma roupa completamente nova, que ninguém postou, mas não quer poluir o planeta. O reúso é o meio que resolve isso, permite que as pessoas tenham peças “novas” sem que novos itens sejam efetivamente produzidos. E essa dinâmica se aplica a outras coisas: se eu trabalho com moda esportiva, não poderia agregar outros itens relacionados, como bicicletas? Eu acho que os pequenos negócios têm uma chance de ouro.

Como a inteligência artificial pode ajudar os pequenos negócios?

Quando falamos de inteligência artificial, o pequeno empreendedor pode pensar “ah, isso não é pra mim”. É uma reação natural, pois há a associação com tecnologia. Atualmente, temos pelo menos 50 boas inteligências artificiais à disposição do micro e pequeno negócio. Por exemplo, há como ele melhorar uma campanha de Instagram, fazer um direcionamento com ótimos resultados, sem gastar nada. Ou seja, as soluções de inteligência artificial são um presente para a pessoa fazer mais com menos. Mas há um impacto grande dessa tecnologia: teremos de rever a nossa maneira de pensar e agir, pois ela faz as coisas na metade do tempo que gastamos hoje. Então as pessoas vão perder os seus empregos? Algumas, sim. Realmente acredito que a sociedade vai dar um jeito de resolver isso, e certamente os pequenos negócios devem surfar nessa onda.

Você acredita que o ChatGPT vai mudar ou impactar os modelos de negócio e profissões?

O ChatGPT é uma das inteligências artificiais existentes, há outras várias. Ele tem a vantagem de ter sido o primeiro a popularizar, mas há alternativas tão boas ou até melhores. E, sim, essas soluções vão mudar completamente os modelos de negócios. Talvez um pequeno empreendimento tivesse dificuldade de encontrar o produto certo, a linguagem correta, a funcionalidade adequada ou a maneira de ensinar as pessoas a usar aquilo. Com um pouquinho de criatividade, agora ele tem todas essas respostas gratuitamente. Para isso, precisa fazer as perguntas certas.

Você tem dicas para as empresas que querem inovar de forma a obter resultados efetivos para seu negócio?

Eu vou dar dicas que considero superimportantes. A primeira é conversar. Antes de tomar uma decisão, de demitir ou contratar alguém, de comprar um produto ou fazer uma campanha, um post, peça a opinião da geração Z. Isso mesmo, a opinião dessa pessoinha que está do seu lado, com quem você tem alguns conflitos, inclusive. Escute mais a geração Z, porque é ela quem já está definindo o atual perfil de consumo e pode dar ideias muito boas.

Uma segunda dica: que pelo menos 5% da receita anual do negócio venha de algo que não é feito pelo próprio empreendedor. Por exemplo, em um pequeno negócio de conserto de jeans, que 5% da receita venha de outra atividade que não sejam os ajustes em si, como eventos, assinatura de uso de produtos etc. É importante experimentar outros modelos, ver como se dá essa dinâmica, se eles funcionam ou não.

E valorizar o entorno é importante, é outra dica. Nesse aspecto, há algo que parece ter sido esquecido, especialmente pelos pequenos negócios. Pode ser que muitos tenham feito evento há anos, talvez apenas o de inauguração. Depois disso, nunca mais juntaram a galera e não se dão conta disso. É preciso proporcionar situações para os clientes irem até eles. Há uma métrica de que, todos os anos, há redução de 10% na quantidade de clientes caminhando nas avenidas de varejo. Então os negócios do setor têm que estar atentos e cultivar o relacionamento com esses clientes.

Outra dica: dados, o mundo atual é guiado por eles. Não há espaço para cometer erros básicos, é preciso personalizar o atendimento, gerar programas de engajamento, olhar com cuidado para os dados do negócio e dos potenciais clientes. Assim, é possível entender o que eles gostam e trazê-los para perto, fidelizar.

A dica final é divulgar o que o negócio faz pelo planeta, por mais que seja pouco. Pode ser uma embalagem. Porque isso está sendo decisivo para essa nova geração, para as escolhas de consumo dessas pessoas. Para mim, é uma oportunidade para os pequenos.