Histórias de Sucesso

Entrevista

Avanço necessário

Secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia entre 2019 e 2020, Paulo Uebel fala sobre a Lei da Liberdade Econômica e seus reflexos, quatro anos após sua sanção.


Cristina Mota

Crédito: Arquivo pessoal

Em 20 de setembro de 2019, entrou em vigor a Lei da Liberdade Econômica (nº 13.874/2019), que tinha como principal objetivo um ambiente mais favorável ao empreendedorismo. Entre outros avanços, o novo regramento resultou em uma série de medidas para desburocratizar os processos de abertura e funcionamento das empresas, de forma a estimular a criação de novos negócios e impulsionar a economia. Para falar sobre os impactos dessa legislação para o país, a Revista Histórias de Sucesso conversou com Paulo Uebel, que, no período em que ocupou o cargo de secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, entre 2019 e 2020, atuou em todo o processo de idealização, redação, tramitação e aprovação da Medida Provisória da Liberdade Econômica, posteriormente convertida em lei. Atualmente, ele é presidente do Conselho de Administração da Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge/Codemig) e membro do Conselho de Administração do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais (BDMG).

Como foi participar do trabalho que gerou a Lei da Liberdade Econômica? Qual a importância dessa legislação para o Brasil?
A experiência foi incrível. Foi muito bom participar da idealização, redação, tramitação e aprovação da Medida Provisória da Liberdade Econômica, que, posteriormente, foi convertida em lei. Usamos diversas pesquisas e consultas a entidades empresariais e laborais para identificar os maiores gargalos ao empreendedorismo e construir uma legislação que abordasse uma parte importante deles. Ela é inovadora porque trouxe critérios, matriz de risco e alavancas para melhorar a gestão de atividades econômicas. Trouxe, também, mecanismos para melhorar a eficiência dos órgãos públicos. Com isso, União, estados e municípios já conseguem concentrar energia e pessoal nas atividades que efetivamente geram risco para a sociedade.

Quais eram os benefícios previstos inicialmente na lei e quais foram os principais avanços após sua entrada em vigor?
Era esperada a redução drástica do tempo e do custo para abertura e funcionamento de novas empresas. E isso ocorreu. Segundo o Banco Mundial, para se abrir uma empresa no Brasil, em 2012, o tempo médio de formalização de todos os documentos era de 120 dias. Atualmente, é de um dia, conforme o Mapa de Empresas do Governo Federal. Ou seja, o Brasil possui o menor tempo para a abertura de novos negócios da sua história. Estados e municípios que aprovaram suas respectivas leis da liberdade econômica e a regulamentaram já conseguem abrir novas empresas em um único lugar, com um único procedimento e, muitas vezes, sem custo nenhum. Isso é uma revolução silenciosa em termos de melhoria do ambiente de negócios.

Todo o potencial da lei foi alcançado? Quais os principais resultados obtidos até agora e em que ainda é necessário avançar?
Para a lei alcançar todo o seu potencial, todos os estados e municípios precisam aprovar suas respectivas leis da liberdade econômica. A lei federal não consegue promover todas as mudanças sem a participação desses entes. Para avançar, precisamos do engajamento das pessoas, entidades empresariais, laborais e da imprensa para pressionar estados e municípios que ainda não aprovaram a lei. Menos de 30% de todos os municípios do Brasil possuem a lei aprovada.

Como o senhor avalia o impacto da lei para os pequenos negócios?
A lei foi pensada justamente para beneficiar os pequenos negócios, que, muitas vezes, não conseguiam contratar despachantes, contadores e advogados para resolver todas as questões burocráticas que existiam em um modelo ultrapassado de licenciamento ou alvará. Se uma atividade não representa risco para a sociedade, não faz sentido, por exemplo, exigir alvará, licença ou autorização de funcionamento. E a administração pública precisa ser orientada a agir com base em dados e evidências, e não no “achismo” do fiscal. Com essa mudança de paradigma, os empreendedores ganham tempo e recursos para investir em seus negócios ou mesmo em suas famílias.

À época da sanção da lei, a expectativa era que ela viabilizaria a geração de 3,7 milhões de empregos em uma década. Após quatro anos, essa avaliação se mostra realista?
O Brasil alcançou a menor taxa de desemprego dos últimos oito anos justamente depois da aprovação e implementação da Lei da Liberdade Econômica. Além disso, nos últimos anos, a maior parte dos empregos formais tem sido gerada justamente em empresas de micro e pequeno porte. Esses dois dados são evidências de que a Lei da Liberdade Econômica foi um marco importante para o Brasil. Evidentemente, muito ainda precisa ser feito. Precisamos ter uma carga tributária compatível com o nível de desenvolvimento do país – hoje, o Brasil possui uma carga tributária maior do que as da Rússia e da Índia, que são países emergentes. Como se não bastasse, a nossa carga tributária é maior do que a dos Estados Unidos e da Austrália, que são países desenvolvidos. Isso prejudica a competitividade do Brasil no cenário internacional.

Para a lei alcançar todo o seu potencial, todos os estados e municípios precisam aprovar suas respectivas leis da liberdade econômica

Como o senhor avalia o movimento de estados e municípios na adoção da lei? E sobre Minas Gerais, especificamente, qual a sua opinião?
No geral, muitos estados e municípios precisam fazer o seu dever de casa e aprovar suas respectivas leis da liberdade econômica. Se não fizerem isso, estarão prejudicando seus cidadãos e correrão o risco de afastar empreendedores e empresas. Minas Gerais, felizmente, foi um dos primeiros estados do Brasil a aprovar a Lei da Liberdade Econômica e tem liderado o trabalho de ajudar os seus municípios a aprovar ou regulamentar a legislação em nível municipal. Até há pouco tempo, Minas era o estado com o maior número de atividades econômicas consideradas de baixo risco pela vigilância sanitária, meio ambiente e Corpo de Bombeiros. Recentemente, o estado foi ultrapassado pelo Rio Grande do Sul. Há informações de que a Secretaria de Desenvolvimento Econômico está liderando uma força-tarefa para recuperar a liderança de Minas no cenário nacional.

O ranking de 2022 do Índice de Liberdade Econômica da Fundação Heritage mostra que o Brasil subiu posições, melhorando em algumas áreas, mas piorando em outras. Que pontos de atenção esse resultado indica?
O trabalho em favor da melhoria do ambiente de negócios, da ampliação da liberdade econômica e do aprimoramento da qualidade dos serviços públicos deve ser permanente e diário. Quem para de melhorar, infelizmente, tende a piorar nos rankings, já que os demais países não esperarão por nós. O trabalho de implementação da liberdade econômica deveria ser, portanto, um programa de Estado, e não do governo de plantão. Ao fomentar a liberdade econômica com responsabilidade, o Estado consegue focar aquilo que é essencial, trazendo mais valor para os cidadãos, principalmente para aqueles que dependem dos serviços estatais. Quando o Estado não possui uma matriz de risco e quer olhar todas as atividades, sem uma gestão eficiente, toda a sociedade perde. Perdem-se tempo, dinheiro e pessoal. Felizmente, muitos gestores públicos e lideranças políticas entenderam que não existe desenvolvimento econômico e social sem empresas, sem empregos e sem renda – e estão priorizando esse assunto.

O trabalho de implementação da liberdade econômica deveria ser, portanto, um programa de Estado, e não do governo de plantão.

Qual sua avaliação em relação ao cenário econômico atual e de curto prazo?
O cenário macroeconômico é um fator que influencia todas as atividades econômicas, principalmente as realizadas pelos pequenos negócios. A taxa de juros, por exemplo, impacta todas as pessoas e empresas que dependem de crédito. Portanto, os governos (federal, estaduais e municipais) precisam ter muito cuidado com o tamanho e a qualidade do gasto público. Se o Brasil tiver um gasto público muito elevado e de baixa qualidade, vai piorar o cenário macroeconômico e teremos uma curva de juros de longo prazo maior e até mesmo risco de mais inflação. O governo precisa ter responsabilidade fiscal e cuidado o tempo todo. A reforma tributária é outro ponto de atenção. Precisamos simplificar a legislação tributária, mas não podemos ter uma reforma que aumente o custo de vida dos brasileiros. Além disso, alguns setores, como serviços e agronegócio, não podem ser onerados de forma desproporcional. Como um país ainda em desenvolvimento, o Brasil deveria ter uma carga tributária menor. Se não houver um teto constitucional para limitar a carga tributária, corremos o risco de gerar mais desigualdade e piorar o nosso ambiente de negócios.

O senhor concorda que há uma correlação entre liberdade econômica e desenvolvimento humano? Temos exemplos que evidenciam isso?
Se você cruzar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Liberdade Econômica (ILE), será possível constatar que os países com maior desenvolvimento humano, em regra, são aqueles com os maiores índices de liberdade econômica. Não é possível afirmar se um é causa do outro, mas a evidência é clara no sentido de que eles andam juntos. Portanto, o Brasil deve seguir o exemplo dos países com os mais elevados níveis de desenvolvimento humano e seguir trabalhando para aumentar a liberdade econômica e o nosso desenvolvimento humano.

Como avalia a participação do Sebrae no processo de implantação da Lei e estímulo ao melhor ambiente de negócios?
O Sebrae faz um trabalho fundamental na promoção do empreendedorismo e na geração de valor para os micro e pequenos negócios no Brasil. Em razão da sua grande capilaridade, com ações em todos os estados e em milhares de municípios, o Sebrae consegue levar conhecimento e ferramentas de apoio ao empreendedor brasileiro. Portanto, a instituição é um agente muito importante na implantação da Lei da Liberdade Econômica e na consequente melhoria do ambiente de negócios.