Educação
Histórias inspiradoras, números impactantes
Ao completar dez anos em Minas Gerais, Programa Nacional de Educação Empreendedora segue transformando vidas
Ana Cláudia Vieira
Em 2017, dirigentes e professores da Escola Municipal Agrícola Geraldo Leão Lopes, situada no distrito de Maravilha, a 97 km de Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, participaram de uma capacitação do Programa Nacional de Educação Empreendedora (PNEE). A iniciativa foi viabilizada por meio da parceria entre Prefeitura e Sebrae Minas e, a partir de então, os educadores se tornaram multiplicadores dos conhecimentos adquiridos, promovendo ações práticas em sala de aula e na comunidade. Os impactos foram surpreendentes: o povoado, cujas 200 famílias não dispunham de serviços básicos, vivenciou uma grande transformação e o caso se tornou um exemplo de sucesso da educação empreendedora.
O PNEE vem quebrando barreiras há dez anos em Minas Gerais, alcançando resultados duradouros, lastreados pela máxima “Educar sobre, para e por meio do empreendedorismo”. Para tanto, as atividades envolvem ampla articulação entre Sebrae Minas e poder público. Com a utilização de uma metodologia transversal, o conhecimento é multiplicado e colocado em prática, por meio de soluções como Jovens Empreendedores Primeiros Passos (JEPP), para Ensino Fundamental, Despertar e Crescendo e Empreendendo, para o Ensino Médio, e Ciclo de Aprendizagem Vivencial (CAV), para professores de todos os níveis de ensino.
Em uma década, mais de 1,2 milhão de educadores e de 13 milhões de estudantes foram alcançados no Brasil. Em Minas, são mais de 188 mil professores e 2,9 milhões de estudantes impactados. A gerente da Unidade de Educação e Empreendedorismo do Sebrae Minas, Fabiana Pinho, explica que o sucesso se deve ao formato adotado. “As soluções podem ser transmitidas diretamente aos estudantes, mas a maneira mais utilizada e que nos permite atingir um número maior deles se dá por meio do repasse de metodologias aos professores, para que repliquem o conteúdo em sala de aula. Nessa dinâmica, eles contam com todo o suporte de nossos técnicos e consultores.”
A meta é fazer com que professores e estudantes desenvolvam as competências necessárias para se tornarem protagonistas de suas histórias, auxiliando na construção de projetos de vida e futuros possíveis, como ocorreu em Maravilha. A diretora da escola do distrito, Valdinéia Verli, relembra que o cenário da localidade antes do projeto era pouco otimista. “Estamos distantes da sede do município. Tudo é muito difícil e complicado. Os jovens terminavam o Ensino Médio sem perspectiva de empregos ou de fazer uma faculdade. Ficavam por ali, trabalhando nas fazendas, ou iam embora para cidades maiores.” Ao acessar os conteúdos do PNEE, os educadores vislumbraram a oportunidade de mudança de vida para essa população jovem e a possibilidade de, posteriormente, alcançar toda a comunidade.
Após a conclusão das aulas e oficinas, em 2018, a escola de Maravilha tinha como meta apresentar um projeto na Feira de Empreendedorismo, em Teófilo Otoni, tendo como público autoridades e empresários locais. A ideia inicial era expor uma banca de verduras, até que os futuros empreendedores resolveram inovar, explorando o potencial turístico do distrito. “Vivemos em uma região muito linda, tanto do ponto de vista ecológico quanto do cultural. O distrito é banhado pelo rio Mucuri, há um lago de 27 km de extensão, com uma beleza incrível. Temos serras, pedras e duas comunidades quilombolas. Daí, surgiu a ideia de criar um projeto dirigido ao desenvolvimento do turismo local”, diz Valdinéia.
Os professores organizaram expedições, por meio das quais os alunos mapearam e registraram os possíveis pontos turísticos em vídeos e fotos e criaram um roteiro. Porém, eles se depararam com um problema: Maravilha não contava, à época, com estrutura urbana e serviços públicos para viabilizar a proposta. Metade da comunidade não dispunha de iluminação pública. Não havia água encanada e potável nas casas – um poço artesiano abastecia todo o povoado –, e muito menos tratamento de esgoto. Faltavam também calçamento e sinal de telefonia móvel e internet. Por isso, inicialmente, o objetivo do projeto foi chamar a atenção do poder público, ideia levada à Feira de Empreendedorismo.
Deu certo! Alguns dias depois da mostra, representantes da administração municipal visitaram a comunidade e a escola para avaliar o potencial de desenvolvimento do povoado. E, entre 2018 e 2023, Maravilha passou a receber os investimentos necessários à implementação de toda a estrutura básica. O passo seguinte foi pôr em prática um programa de capacitação para hospedagem familiar, necessário para a acolhida de turistas. Além disso, outras ações apresentaram novas abordagens para geração de emprego e renda por meio do empreendedorismo: o Sebrae Minas ofertou oficinas do programa Agente Local de Inovação (ALI) estimulando que os moradores desenvolvessem habilidades para explorar a vocação recém-descoberta. “Plantamos uma semente que germinou de maneira muito bonita: foi mais do que a implementação de um programa, mas um resgate de dignidade.
O projeto de turismo elaborado em 2018 começará a ganhar forma a partir de 2024”, diz Jefferson Batalha, analista do Sebrae Minas, que planeja replicar a experiência em outras comunidades.
NOVAS PERSPECTIVAS
Para além do ganho coletivo, o PNEE trouxe uma perspectiva de desenvolvimento individual, ao mostrar que os alunos podem, sim, manter-se no distrito, dedicando-se, por exemplo, à agricultura, mas de forma inovadora, agregando valor aos produtos cultivados. O técnico agropecuário e professor Aderlande Batista da Silva ministra a disciplina Atividade Agrícola na escola e conta como foi desenvolvido o sentimento de valorização dos recursos naturais de Maravilha. “Os jovens começaram a se dar conta do que tinham em casa e do diferencial desses produtos. Ou seja, lhes faltava visão comercial para tornar sua produção agrícola um negócio. Isso evoluiu a cada etapa do programa, e pudemos ver o brilho nos olhos deles, o entusiasmo.”
Os resultados ficam evidentes também no aumento da contratação de mão de obra local pela própria escola. Em 2017, apenas quatro funcionários eram moradores da comunidade. No início de 2024, 89 são de Maravilha – 14 deles, ex-alunos. “Aos poucos, despertamos nos estudantes o sentimento de pertencimento ao lugar e de incentivo à qualificação para ocupar esses postos de trabalho. Atualmente, temos monitores da educação especial, auxiliares de serviço, secretárias e inspetores, todos ex-alunos. Outros estão concluindo cursos superiores em diferentes áreas, como Direito, Enfermagem, Fisioterapia”, ressalta o professor.
Charles Santos é um dos exemplos. Quando o PNEE foi implementado, ele cursava o 8º ano do Ensino Fundamental. Agora, aos 19 anos, está no quarto período do curso de Pedagogia e atua como monitor de apoio à educação especial na escola do distrito. “Desde muito novo, eu desejava que Maravilha tivesse um senso de evolução. No decorrer das ações do programa, cada oficina me deu a esperança e a experiência necessárias para contribuir nesse sentido. Atualmente, vendo Maravilha do jeito que está, meu coração se enche de gratidão por ter feito parte disso”, diz, emocionado. Para ele, a educação empreendedora impactou as vidas dos alunos de forma irreversível. “Só conseguíamos enxergar Maravilha daquele jeito, estagnado, sem mudança. E, por meio do projeto, rompemos com essa mentalidade e trouxemos uma nova realidade para o distrito.”
Não demorou para que os alunos também se tornassem multiplicadores, levando para seus lares a ideia de empreendedorismo. Assim, outras formas de geração de renda foram colocadas em prática, como a comercialização de produtos artesanais e gastronômicos. A festa junina do povoado, por sua vez, passou a encerrar o calendário festivo da época na região, em agosto, atraindo moradores de diversas localidades próximas. Inicialmente realizada à noite, em 2022, ela teve um dia inteiro de atividades, permitindo que pais e alunos expusessem seus produtos na Feira da Agricultura Familiar e Economia Solidária, e a realização do primeiro Festival Gastronômico de Maravilha, com a apresentação de comidas típicas. “Contamos com a parceria do Sebrae, que nos capacitou para realizar o evento, e foi um sucesso”, relata Valdinéia.
Ao contar com um grande público, os organizadores tiveram um resultado de vendas de quase R$ 27 mil, mais de cinco vezes a meta traçada. Mais ainda, puderam iniciar, em 2023, a feira mensal Papo e Cultura na Praça, com atividades de gastronomia, artesanato e lazer para os moradores de Maravilha, promovidas por moradores da comunidade.
Assista
Clique aqui e veja um vídeo sobre a experiência do distrito de Maravilha.
BASES SÓLIDAS
O município de Ipatinga, no Vale do Aço, se tornou referência no estado ao implementar o PNEE em 100% da rede de educação, com uma proposta de transformação de longo prazo. Conforme explica a analista do Sebrae Minas Vanessa Silva, a sensibilização teve início por meio da Secretaria de Desenvolvimento do município, que realizou a mediação entre o Sebrae Minas e a Secretaria de Educação. “As reuniões começaram em 2021, quando convidamos os gestores municipais a refletir sobre qual cidade eles gostariam de construir e qual legado iriam deixar, pensando no futuro dos nossos alunos”, lembra.
Em janeiro de 2022, a gestão municipal de Ipatinga aprovou a Lei nº 4.312, instituindo a disciplina educação empreendedora nas escolas
A ampla adesão das escolas ocorreu a partir do entendimento de que resultados sólidos só poderiam ser alcançados com uma política pública de impacto. A determinação foi tanta que, em janeiro de 2022, a gestão municipal aprovou a Lei nº 4.312, instituindo a disciplina educação empreendedora nas escolas. “Queríamos garantir que não fosse algo passageiro, de um governo. Com a implementação da lei, o projeto de Educação Empreendedora deve ser realizado, independentemente da gestão”, conta a secretária Municipal de Educação, Patricia Avelar.
Quando o ano letivo de 2022 começou, os professores da rede municipal de ensino – composta por 47 escolas e cinco polos de educação integral – já estavam recebendo as capacitações. Além disso, a implementação da nova abordagem de ensino incluiu o desenvolvimento do material didático a ser usado do 1º ao 9º ano do Ensino Fundamental. A tarefa coube a uma equipe multidisciplinar formada por professores, assessores pedagógicos, especialistas do Sebrae Minas e da Secretaria Municipal de Educação, com base em rotinas e situações identificadas nas escolas e na cidade. “A ideia é proporcionar aos alunos a sensação de pertencimento, de estar estudando algo verdadeiramente associado a Ipatinga”, acrescenta a secretária.
Em outubro do mesmo ano, os primeiros projetos foram apresentados na Feira de Empreendedorismo Empreendedores do Futuro. Ao exemplificar os resultados alcançados, Patricia conta que há escolas produzindo o próprio café e outra que conseguiu verba para um projeto de irrigação a partir do pensamento empreendedor. “O nosso legado são as atitudes empreendedoras. Você não precisa ter uma empresa para ser empreendedor, mas deve se comportar como se tivesse, seja agindo no seu trabalho, seja em uma sala de aula. Se for empreendedor, você vai se sentir dono daquele negócio e conseguir se adaptar e sobressair em qualquer lugar. O nosso impacto é de mudança de comportamento.” Para 2024, a meta é aperfeiçoar as ações e ampliar os níveis de complexidade, uma vez que os alunos já estão ambientados com os conceitos propostos.
Um dos Polos de Educação Integral que têm o tema empreendedorismo como grade curricular e receberam a metodologia do PNEE foi a Escola do Futuro. Inaugurada em março de 2023, ela abriga turmas de alunos de diversas escolas da cidade, além de atender às quatro instituições de ensino 100% integral de Ipatinga. São realizadas intervenções e é ofertado apoio pedagógico em Português e Matemática e nas disciplinas Tecnologia Robótica e Escola Empreendedora Mágica – esta busca tornar lúdico o formato de conteúdos tradicionais e inclui lições de empreendedorismo. Além disso, os estudantes têm acesso a uma formação teatral.
Conforme detalha a coordenadora da instituição, Gersiane de Souza Roque, toda a abordagem seguiu as dinâmicas propostas no material especialmente desenvolvido pelo município. “São seis encontros durante o ano, que abordam os problemas da cidade no que tange à sustentabilidade e ao meio ambiente. A cada ano, há um direcionamento distinto”, explica.
Confira
Cliquei aqui e assista à videorreportagem sobre educação empreendedora na Escola do Futuro.
DIVINÓPOLIS
Já em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, a implementação do PNEE começou no ano passado e alcançou 100% da rede municipal de ensino, composta por 52 escolas. A secretária municipal de Educação, Andreia Carla Dimas, conta que o foco foi aliar o empreendedorismo à educação continuada a partir do tema Inovar para Transformar. Em outubro, após o desenvolvimento do programa e a participação na Feira de Empreendedorismo local, os alunos produziram um filme com as temáticas protagonismo e mudança de atitude, que foi exibido em uma sala de cinema do município. “Queremos mostrar que empreendedorismo não se limita a um investimento financeiro ou empresarial, mas traz consigo um sentido de avançar e, para isso, precisamos transformar, amadurecer”, pondera a secretária. “Nosso objetivo é produzir mudanças de atitude, envolvimento da comunidade e projetos práticos, como iniciativas destinadas ao trato do lixo. Em longo prazo, são esperadas mudanças reais nas vidas dos jovens, para que se tornem capazes de intervir no contexto em que vivem.”
Conforme explica o analista do Sebrae Minas Denis Magela, um dos motivos para o sucesso da iniciativa foi a realização, em abril de 2023, do Seminário Educação Empreendedora, do qual participaram mais de 2,3 mil pessoas, entre professores, pedagogos e demais colaboradores das escolas. Consultores do Sebrae Minas acompanharam a implementação dos projetos nas escolas, com destaque para a Feira de Educação Empreendedora, na qual foram expostas 52 ideias. “Membros da comunidade, familiares de alunos e outros interessados participaram do evento, totalizando aproximadamente 10 mil pessoas. A estratégia abrange não apenas o programa em si, mas também ações mais amplas, visando transformar a mão de obra e o perfil econômico da região”, explica.
Em um ano de atividades, 27 turmas do Jovem Empreendedor Primeiros Passos (JEEP) foram realizadas, cerca de mil professores foram formados e 14 mil alunos foram impactados. Em outra frente, o Sebrae Minas estabeleceu uma parceria com foco na oferta do Programa ALI junto aos alunos do Ensino Médio: 30 instituições de ensino foram atendidas, alcançando 1.180 professores e mais de 16 mil alunos. “Para 2024, a ideia é conciliar os programas de educação empreendedora com a feira de robótica do Ensino Médio”, adianta o analista.
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