Jaqueline Gil aponta tendências que podem fortalecer o setor de turismo no Brasil e em Minas Gerais
Cristina Mota
Ainda que os serviços de turismo brasileiros tenham se expandido e melhorado muito nos últimos anos, há muito por fazer para atingir mais resultados em relação ao imenso potencial do país. Essa é a opinião de Jaqueline Gil, palestrante e CEO da consultoria Amplia Mundo. A análise vem de sua trajetória de mais de 30 anos no setor, tendo sido, inclusive, diretora de Marketing Internacional, Negócios e Sustentabilidade da Embratur. Confira outros insights na entrevista.

Crédito: Arquivo pessoal
Conte sobre a sua trajetória profissional no setor de turismo.
Em meus quase 30 anos de atuação em turismo, uma palavra que me definiria a trajetória é: diversidade. Meu primeiro contato profissional com turismo foi aos 16 anos, quando estagiei em um centro de informações turísticas na cidade de Roma, e na Austrália, como parte do meu programa de intercâmbio de jovens pelo Rotary Internacional. Nunca mais parei! Durante minha graduação no curso de Turismo, fiz diversos estágios em hotelaria, na área de eventos, na Walt Disney World (EUA) e no setor público. Em 2003, recém-formada, me mudei para Brasília para assumir um excelente desafio: juntar-me à equipe da Embratur que faria a transição da instituição para tornar-se responsável pelo marketing, promoção e apoio à comercialização do Brasil no exterior. Atuei nas áreas de captação de eventos internacionais, no desenvolvimento de novos produtos e na gestão dos escritórios brasileiros no exterior. Fui servidora no Governo da Nova Zelândia, onde atuei com temas de política internacional e comércio exterior de bens e serviços, inclusive educação e turismo. Atuei como consultora em inúmeros projetos no Brasil e no exterior, na iniciativa privada e em organismos internacionais, como Unesco, ONU Meio Ambiente e Comissão Europeia. Morei no Acre e desenvolvi projetos de turismo com o Governo Estadual e com comunidades locais; morei na África do Sul e conheci de perto modelos de negócio de turismo que financiam a conservação da natureza, sobretudo pelos icônicos safáris. Dediquei-me, também, à academia e à pesquisa e desenvolvi um curso sobre comunicação estratégica em turismo para a Academia da ONU Turismo. Recentemente, retornei à Embratur como diretora de Marketing Internacional, Negócios e Sustentabilidade, em que atuei até julho de 2024, no redesenho de um novo planejamento de marketing internacional para o país. Atualmente, dedico-me à conclusão do meu doutorado em desenvolvimento sustentável, em que pesquiso mudanças climáticas, turismo e marketing internacional, na Universidade de Brasília (UnB). Sou palestrante e conselheira em algumas organizações internacionais.
Quais são as tendências e oportunidades do turismo no Brasil?
O Brasil é repleto de oportunidades para alavancar o turismo. Somos o país mais megadiverso do mundo, com abundância de água doce, sol, fauna e flora. Igualmente importante, nosso povo é criativo, diverso e amistoso. Ainda que nossos serviços de turismo tenham se expandido e melhorado muito nos últimos anos, a exemplo dos aeroportos e da hotelaria de luxo – e devemos atingir recorde histórico na entrada de divisas estrangeiras no país este ano, apontando que a atividade está aquecida –, há muito por fazer para atingirmos mais resultados em relação ao nosso potencial. E esse potencial vai muito além dos números, tanto em volume de turistas quanto em impactos econômicos. As oportunidades do turismo no Brasil passam também pelo desenvolvimento de novos modelos de negócios, sobretudo aqueles que possam financiar a regeneração de biomas e de espaços urbanos, empoderar empreendedores de origem diversa, fortalecer a liderança feminina e abraçar, definitivamente, nossa vocação de viver em melhor harmonia com a natureza.
Cito três tendências globais que refletem oportunidades para o Brasil e também para Minas Gerais. A primeira é a valorização da saúde e do bem-estar: no contexto de nossas aceleradas rotinas, sobretudo de quem vive nos centros urbanos, pausas para relaxamento são necessárias. Uma recente pesquisa lançada pelo Polo Sebrae de Turismo de Experiências, denominada De Olho no Turismo de Experiências, indica que 67% desses viajantes têm preferência por vivenciar momentos de relaxamento e podem gastar até R$ 5 mil por viagem.
A segunda engloba ações climáticas, principalmente transição energética e regeneração. Reduzir e neutralizar as emissões de gases de efeito estufa é urgente, e uma responsabilidade de cada um de nós. Há crescente sensibilização sobre a temática, e consumidores estão atentos à responsabilidade das empresas e dos destinos de turismo. Transitar para fontes energéticas limpas, sobretudo em soluções de mobilidade ou de micromobilidade, pode impactar positivamente também a qualidade da experiência oferecida aos viajantes: um passeio de buggy com motor elétrico silencioso, por exemplo, oferece a oportunidade de o passageiro ouvir, em vez do ronco do motor a diesel, as ondas do mar. Adicionalmente, o modelo de negócios em que a regeneração de espaços urbanos ou de natureza é central, torna-se cada vez mais necessário. Não à toa cresce o interesse por turismo regenerativo, aquele em que o turista paga para vivenciar experiências de recuperação de fauna, como plantar corais, acompanhar e cuidar de ninhos de araras-azuis, apoiar a procriação de onças-pintadas, ou contribuir com plantio de árvores em espaços degradados.
A terceira tendência é o maior uso de tecnologias e de ciência em ambientes não urbanos. O turismo “sem perrengues” e de alto valor agregado torna-se possível, cada vez mais, em qualquer espaço. A combinação de diversos tipos de tecnologias, entre elas a biotecnologia, a inteligência artificial e a internet das coisas, não é mais restrita a cidades. Com facilitado acesso à internet e até a energias limpas oriundas de satélites, o campo se torna, cada vez mais, um espaço para novidades de todos os tipos. Segundo o Anuário 2024 da Associação Brasileira de Turismo de Luxo (BLTA), as taxas de ocupação que mais cresceram em 2023/2024 estão no segmento das hospedagens localizadas em ambientes que privilegiam a natureza/campo.

E quais são os desafios?
São muitos os desafios. Recentemente, publiquei um artigo com os colegas professores e pesquisadores Guilherme Lohmann (RMIT/Austrália) e Glauber Santos (USP), em que elencamos cinco razões que fazem do Brasil um gigante ainda adormecido para o turismo. Em resumo, são distâncias e transporte; sensação de insegurança e violência; inadequação dos serviços para estrangeiros; custos elevados; e promoção errática e inconstante do país no exterior.
Como avalia o mercado do turismo em Minas Gerais?
Minas Gerais é um estado repleto de oportunidades, tanto relacionadas à natureza quanto às pessoas. Conta com um mercado de turismo regional muito forte e está próximo dos principais centros emissores de turistas do país, sobretudo os estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás e Bahia. As abundantes conexões rodoviárias se somam ao aeroporto de Belo Horizonte, por exemplo, que se torna um hub nacional e internacional cada vez mais forte. A combinação de ícones, como as cidades históricas e Inhotim, com novos destinos, como a Serra do Espinhaço, pode ser uma aposta para o estado. Também, conectar cada vez mais o turismo com a ciência, usar e abusar de tecnologias que podem facilitar tanto o desenvolvimento de novos produtos quanto sua promoção e comercialização pode ser um grande diferencial para Minas, inclusive porque no estado estão grandes e excelentes centros de pesquisa e universidades, complementares e muito além do campo do turismo. Do Parque Tecnológico de Viçosa (TecnoParq), por exemplo, podem sair inúmeras soluções para o turismo sustentável na Serra da Mantiqueira.
Existem diversos trabalhos de estruturação de produtos turísticos no estado apoiados pelo Sebrae Minas. Quais são os pontos de atenção na ideação e criação de um produto turístico?
Acertar na relação de uma experiência autêntica e inovadora com seu público-alvo ideal é a chave. Como ponto de atenção, trago a questão do mercado: criar um produto turístico precisa ser uma concepção multifacetada: sustentabilidade e ações climáticas desde o início; autenticidade, talentos e recursos locais; alinhamento com tendências globais; estudo de mercado e de público-alvo, ou persona; operação impecável; e conexão com meios de comercialização e de promoção eficientes e propositivos.
Como avalia a convergência turismo/gastronomia/economia criativa, que está sendo trabalhada em alguns locais de Minas, como BH?
Vejo como absolutamente necessária! Turismo, gastronomia, economia criativa, sustentabilidade, tecnologias e ciência, eu diria, é uma combinação que não se dissocia mais. Por mais exemplos como esse, em Minas e no Brasil.